Lurdinha era uma daquelas professoras que parecem pertencer a um mundo à parte, tinha um rosto suave, de feições quase angelicais, que contrastava com o ar envelhecido de sua alma, aos 29 anos, solteira e ainda vivendo sob o teto dos pais, caminhava pela escola com a leveza de quem evita o pecado, mas carregando o peso de uma promessa não cumprida, seus alunos a respeitavam, mas os corredores da escola se preenchiam com cochichos e olhares enviesados.
Havia algo em Lurdinha que sempre ficava por dizer, o sorriso, breve e tímido, parecia esconder uma tragédia, um segredo que ninguém ousava perguntar, as outras professoras a tratavam com a gentileza distante que se oferece a uma moça que “perdeu o trem”, como diziam. Já os homens, especialmente os mais jovens, fitavam Lurdinha com olhos que escondiam desejos mal contidos, disfarçados sob o verniz da educação.
Entre eles, destacava-se Pablo, o novo professor de Educação Física. Pablo era o oposto de Lurdinha em todos os aspectos, bronzeado, sempre rindo alto, com um corpo que parecia esculpido pelo próprio Apolo, fazia as mulheres suspirarem e os homens se sentirem diminuídos, ele mal notava Lurdinha, mas quando o fazia, seus olhos eram como os de um predador, curioso diante de uma presa diferente, tímida, mas com uma promessa de algo além do que aparentava.
O boato começou numa tarde abafada, ninguém sabe quem disse primeiro, mas a fofoca tomou vida própria, diziam que Lurdinha e Pablo haviam sido vistos juntos, depois do expediente, numa esquina pouco frequentada da cidade, era o bastante para que as línguas afiadas das professoras e inspetoras da escola se excitassem com o novo escândalo iminente, Dona Marilda, a diretora, não gostou nem um pouco, conhecia Lurdinha desde menina e, no fundo, tinha por ela uma simpatia que beirava o lado maternal.
Mas nada podia impedir o turbilhão de boatos, e eles continuaram crescendo, ganhando detalhes sórdidos: uma mão que roçara o ombro dela, uma risada dele ecoando pela rua, Lurdinha, que nunca falava sobre sua vida pessoal, agora era protagonista de uma novela, que todos eram espectadores fervorosos e, pior, ela não desmentia e também não confirmava. Certo dia, ao sair da sala dos professores, Lurdinha se viu sozinha com Pablo no corredor. Ele, percebendo a vulnerabilidade dela, aproximou-se mais do que deveria.
— Sabe o que andam dizendo por aí? — disse ele, com aquele sorriso cínico que fazia as meninas do ensino médio suspirarem.
Ela não respondeu, apenas abaixou os olhos, sentindo o calor que subia por suas bochechas. Pablo, vendo a hesitação dela, se permitiu ir além:
— Não sei se você gosta desses boatos… ou se quer torná-los realidade.
Lurdinha congelou, ela, que sempre fora recatada, sentiu pela primeira vez o gosto amargo de ser objeto de um desejo vulgar, por um instante, pensou em se afastar, em negar com todas as forças, mas havia algo naquela situação que a atraía. Era como se toda a repressão dos anos acumulados, os olhares de desaprovação de sua mãe, as expectativas sufocantes de uma vida de virtude se desmanchassem diante da insolência daquele homem.
— E se eu quisesse? — Lurdinha murmurou, quase sem perceber que dissera aquilo.
Pablo, surpreso com a resposta inesperada, riu, mas a risada morreu rapidamente quando viu os olhos de Lurdinha, havia algo diferente neles, um brilho que misturava medo, desejo e raiva, ele a puxou para perto, num impulso, e ela não resistiu. Ali, no corredor da escola, enquanto os alunos ainda estavam nas salas, os dois ficaram tão próximos que o mundo ao redor parecia ter desaparecido.
Porém, antes que qualquer coisa pudesse acontecer, a porta da sala dos professores se abriu de repente, Dona Marilda, saiu e parou ao ver a cena, seu olhar era de uma severidade que poderia ter parado o tempo. Lurdinha recuou, o coração disparado, e Pablo ajeitou a postura, tentando parecer despreocupado.
— Professora, venha até a minha sala — disse Dona Marilda, sua voz seca como um chicote, Pablo foi ignorado, como se ele nem estivesse ali.
Na sala da diretora, Lurdinha ficou em silêncio, Marilda a fitou por um longo tempo, os olhos cansados de quem já vira muitas quedas e muitas tragédias, então, sem rodeios, perguntou:
— O que você quer da sua vida? O que você está fazendo?
Lurdinha tentou responder, mas as palavras não saíam, era como se todas as escolhas da sua vida, todos os caminhos não trilhados, tivessem se fechado sobre ela naquele momento, ela, que sempre fora uma boa filha, uma boa professora, agora era vista como alguém que havia cometido um pecado imperdoável, mesmo que nada de fato tivesse acontecido, o mundo ao seu redor já havia decidido que ela estava condenada.
— Você sabe o que as pessoas vão dizer — continuou Dona Marilda. — E, às vezes, não importa se é verdade ou não, o que importa é que elas vão falar e vão te julgar.
Lurdinha sentiu um aperto no peito, sabia que, dali em diante, sua vida jamais seria a mesma, a cidade pequena, as pessoas com suas línguas afiadas, o peso da expectativa, mesmo sem ter feito nada, já estava condenada, ao sair da sala da diretora, Lurdinha andou pelos corredores vazios da escola, passou pela quadra de esportes onde Pablo estava, rindo e jogando bola com os alunos, como se nada tivesse acontecido e naquele momento, ela soube que, na tragédia da vida, quem paga o preço é sempre a mulher.