Mulheres recorrem ao Face para deixar a pílula e ter vida saudável
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emA proposta de Odair José, na década de 70, para que as mulheres parassem de tomar a pílula, nunca esteve tão atual, embora com motivo diferente. Não que se trate de liberdade sexual – como diz a música -, mas de auto-sobrevivência, com vida saudável, e a busca por um filho.
Mais de quarenta anos depois daquele sucesso, brasileiras se dizem presas à pílula. Elas fazem parte de um movimento que vem crescendo nas redes sociais e discute como parar de tomar esse anticoncepcional e quais são os métodos alternativos a ele, incluindo a tabelinha. No Facebook, grupos sobre o assunto chegam a ter 25 mil participantes.
Uma página com 80 mil curtidas, revela reportagem da BBC Brasil, ajuda a explicar o motivo: em “Vítimas de Anticoncepcionais, unidas pela vida”, mulheres contam as experiências negativas que tiveram ao tomar os contraceptivos orais.
Trombose – Os relatos vão de mudanças de humor a enxaquecas diárias e casos de trombose (formação de coágulo dentro de vaso sanguíneo). Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), contraceptivos com drospirenona, gestodeno ou desogestrel levam a um risco 4 a 6 vezes maior de desenvolver tromboembolismo venoso em um ano.
Os laboratórios que produzem as pílulas mais populares no país, Bayer (Diane 35, Yaz), Eurofarma (Selene) e Libbs (Elani Ciclo), afirmam que os benefícios para o corpo superam os problemas. Dizem também que os efeitos estão descritos na bula e, com orientação médica, o uso é seguro. Mesmo assim, as participantes dos grupos reclamam que o acompanhamento é insuficiente.
“Nem todos os efeitos colaterais são falados pelo médico”, diz a designer Gabriela, 28, que faz parte de grupos de discussão online. Usuária dos comprimidos desde os 19 anos, ela diz que tinha enxaquecas que duravam semanas.
“Quando as crises pioraram, eu vomitava. No meu aniversário, foi tão forte que, durante uma hora, perdi a visão completa de um olho.”
Gabriela foi a vários neurologistas, que a aconselharam a parar com o anticoncepcional oral. Ela poderia ter uma trombose nos olhos. A recomendação é seguida há dez meses.
Mudanças de humor – Outra queixa recorrente são as mudanças de humor, também descritas nas bulas. Distúrbios psiquiátricos e estados depressivos estão nas contraindicações de vários medicamentos.
A relações públicas Carla Costa, 31, tem depressão e diz que, enquanto tomava a pílula, seu quadro piorava. “Em dois períodos do ciclo menstrual ficava muito deprimida, encolhida na cama, chorando sem motivo por horas. Isso parou de acontecer.”
Na última cartela de comprimidos, a publicitária Maíra de Azevedo, 27, diz que decidiu parar com os hormônios porque seu emocional é como “um trem desgovernado”. “Tenho todos os sintomas: dor de cabeça, enjoo e uma perda total da libido. Nunca quero saber de ninguém.”
A ação do estrogênio e progesterona sintéticos – presentes na maioria dos anticoncepcionais hormonais – sobre o cérebro feminino é pouco conhecida.
No ano passado, um trabalho da Universidade da Califórnia em Los Angeles indicou que esses hormônios podem encolher certas regiões do cérebro ligadas ao controle emocional e alterar seu funcionamento.
Uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo, Nicole Petersen diz que “o mecanismo pelo qual isso pode ocorrer é completamente desconhecido neste momento”. Apesar do potencial dano das pílulas, a pesquisadora pondera que algumas mulheres se beneficiam do uso e têm variações positivas de humor.
Professora do departamento de ginecologia da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, Carolina Sales também destaca os benefícios do medicamento, como a redução das possibilidades de câncer de ovário e de intestino. Ela atenta que o uso deve ser acompanhado de um ginecologista. Mas ressalta que nem sempre o profissional tem informações para a paciente.
“Na formação (do médico), há contato com poucos métodos. E as consultas são muitos curtas, o que diminui o tempo de orientação. A pílula é o mais fácil.”
Para Sales, a falta de informação vale também para quem está do outro lado da mesa: “há um desconhecimento sobre as classes diferentes de hormônios. Elas colocam tudo no mesmo balaio.”
Sem explicações – Todas as mulheres ouvidas pela BBC Brasil disseram procurar os grupos online – atitude geralmente pouco recomendada pelos médicos – porque seus ginecologistas não deram muitas explicações sobre outros métodos ou se recusaram a falar. Lá, trocam experiências sobre deixar a pílula (o que muitas vezes leva aumento de acne, oleosidade da pele e cabelos) e aprendem como funciona o DIU (dispositivo intrauterino), a tabelinha e a camisinha feminina.
“Na última vez, quando tentei largar o anticoncepcional, acabei trocando de pílula. Fui a vários médicos e sempre tenho a percepção de que queriam empurrar outra marca”, diz Carla Costa, que abandonou o medicamento em novembro.
A ginecologista Halana Faria, do Coletivo Feminista Saúde e Sexualidade, diz que os médicos temem correr riscos, já que métodos como o DIU exigem mais tempo e cuidado. Se não for bem colocado, pode haver perfuração do útero. Além disso, se a mulher não se proteger nas relações, há chances de infecção.
“O médico presume que as mulheres não são capazes de manejar isso nas suas vidas. O discurso é moldado por aquilo que ele considera ser mais confortável. Já ouvi: ‘não coloco mais DIU, por que vou me complicar?'”.
As comunidades na internet também reúnem muitas reclamações sobre ginecologistas que não pedem exames antes de receitar os comprimidos. As queixas vêm acompanhadas de relatos sobre problemas sérios de saúde.
Um dos depoimentos é da estudante Giovanna Raquel, de 17 anos. Ela ficou dois meses internada por causa de uma embolia pulmonar. Tudo começou com uma forte dor nas pernas, meses após começar com a pílula. Muitas consultas com ortopedistas depois, ela descobriu que tinha trombose.
“Um médico imaginou que fosse uma entorse (lesão nos ligamentos). Outro chegou a me chamar de manhosa. Disse que a dor não existia.”
A entrevista com Giovanna foi feita por Facebook, já que ela estava de volta ao hospital. Suspeitava-se que o problema tivesse voltado.
Segundo os critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS), a obrigatoriedade de exames de rotina para rastreamento de trombofilias não é adequada, por causa da raridade das condições e do custo dos exames.
A BBC Brasil procurou o Conselho Federal de Medicina e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) para saber como os profissionais deveriam proceder nesses casos, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.
Velho tabu – Quando conseguem informações e decidem parar a pílula, as mulheres têm que explicar sua decisão para médicos, amigos e família. E esclarecer que isso não significa um bebê a caminho.
Em uma consulta, a estudante de relações públicas Nathalia Lira, 21, ouviu de sua médica que, sem os comprimidos, “logo logo engravidaria”.
“Quando eu dizia que estava satisfeita só com o preservativo, ela pedia um exame Beta hCG, porque aparentemente eu poderia estar grávida a qualquer momento.”
As amigas da assistente administrativa Renata Peixer, 25, ficaram apavoradas. “Elas perguntaram: ‘Como você faz com seu namorado?’ Você fala de DIU e elas não conhecem.”
Prevendo as perguntas que viriam, a designer Gabriela preferiu não falar. “As pessoas te julgam muito. Na minha família ninguém sabe, nem na do meu namorado. Elas acham que vou engravidar e aí a responsabilidade vai ser minha.”
Para quem escolhe os chamados métodos comportamentais, como a tabelinha (abstinência durante o período fértil) e a observação do muco vaginal (que vai mudando a cada fase do ciclo), a discussão é ainda maior.
Isso porque, segundo Febrasgo, OMS e Ministério da Saúde, esses métodos têm porcentagem de falha entre 1% a 25%. O da pílula vai de 0,1 a 8%.
Por isso, a ginecologista Halana Faria recomenda o uso combinado com a camisinha ou o DIU.
É o que faz a funcionária pública Debora Londero, 26. Apesar de conhecer os aplicativos para celular lançados com o mesmo propósito, ela é adepta de riscar as folhas do calendário.
“Notei esses pequenas mudanças no corpo, que nunca tinha percebido. As meninas de 14, 15 anos começam (a ingerir) hormônios e nem entendem como o seu corpo funciona.”
Halana Faria vê que a discussão cresceu nos últimos anos, num ambiente mais aberto às questões feministas e ao controle do próprio corpo.
“Os médicos dizem ‘você está louca, sua mãe usava isso, você é moderna’. Mas não somos as mulheres que éramos antes. Estamos usando aplicativos para melhorar as coisas que as nossas avós já faziam.”