Seja no Brasil, na Rússia, Ucrânia, Venezuela, Argentina, em boa parte da África, em Israel e na Faixa de Gaza, o povo quer comida, mas não é só comida. Independentemente de seus posicionamentos religiosos, políticos e ideológicos, o povo quer paz, alegria, harmonia, parceria e prazer de viver. Matar por matar. Por quê? O ser humano tem direito à vida. Muitos ainda são bastante jovens para morrer. Por que matar por matar? Há muita coisa ainda por fazer, principalmente alcançar aqueles dias que nunca chegam. Embora a autoria não seja confirmada, sigamos a máxima de Albert Einstein, para quem a paz é a melhor forma de nos sentirmos realmente humanos.
Deve ecoar na mente dos líderes mundiais, particularmente das nações envolvidas em conflitos, uma outra tese de Einstein: “Não se pode manter a paz pela força, mas sim pela concórdia”. Ainda que seja para recuperar honra, espaço, pessoas ou bens materiais, a guerra não deve ser o primeiro passo. Talvez nem o último. Ela não deve parecer necessária. Tome de volta o que lhe foi tirado, cumpra o dever justo da punição, mas, se possível, use de todas as estratégias imagináveis para derrotar o inimigo sem lutar, sem o derramamento de sangue, sem a perda de vidas inocentes.
Não é demais parafrasear o polímata norte-americano Benjamin Franklin. Considerado um dos fundadores dos Estados Unidos, segundo ele nunca houve uma guerra boa nem uma paz ruim. O pior é a incerteza de que, do mesmo modo que normalmente poucos sabem como as batalhas começam, muitos desconhecem como elas terminam. Eis, portanto, a oportunidade de as lideranças, mais ou menos belicosas, tratarem da paz como algo que as faça se sentir de forma que os pensamentos estejam equilibrados e em harmonia. É com equilíbrio que teremos convicção de que a paz é muito mais importante do que os motivos da guerra.
Antes de ordenar qualquer tipo de ataque, pensem na desnecessidade de matar ou morrer somente para que o mundo os ache maior e melhor. Parem, meditem e proponham à consciência a desistência do desejo ou do ímpeto de infringir sofrimento nem a si, nem a qualquer outro ser vivo. Por que matar? Por que não seguir os ensinamentos de Cristo? Como diz o apóstolo Paulo em Filipenses 4:7, “A paz que excede a todo o entendimento guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus”. Procurem o Muro das Lamentações, as sinagogas, as mesquitas, as igrejas e acreditem que vale a pena o esforço para se viver em paz.
Povo algum deve ser criminosamente vilipendiado, atacado ou ultrajado. Sei o quão difícil é o ofício de raciocinar em momentos de ódio. No entanto, um piscar de olhos é suficiente para rememorar o general e filósofo chinês Sun Tzu e sua teoria de que a suprema arte da guerra é subjugar o inimigo sem lutar. Por isso, caso sejam desonrados, optem por moedas punitivas pesadas, mas não letais. É bom lembrar que o verdadeiro homem não é aquele que ganha uma batalha, mas sim o que evita uma guerra. Sou cada vez mais fiel às sábias palavras dos pensadores. É com base nelas que afirmo que ninguém ganhou a última guerra e ninguém ganhará a próxima. Vem daí minha adesão à filosofia de que mais vale uma paz relativa do que uma guerra ganha.
Minha preferência são os pressupostos da isenção e da dificuldade de julgar. Entretanto, não é difícil perceber que, ontem, hoje e amanhã, as guerras naturalmente envolvem questões políticas com banhos de sangue. Terrível é concluir que raramente o sangue derramado resolve a questão política. Enfim, é a história contada pelo jornalista, ensaísta e aforista austríaco Karl Kraus. Tido com um dos maiores escritores satíricos em língua alemã do século passado, Karl define todo tipo de enfrentamento de maneira bem simplória: “A guerra, a princípio, é a esperança de que a gente vai se dar bem; em seguida, é a expectativa de que o outro vai se ferrar; depois, a satisfação de ver que o outro não se deu bem; e, finalmente, a surpresa de ver que todo mundo se ferrou”. Ainda há muitas coisas que não sabemos. Todavia, temos certeza de que é melhor aprendermos rápido, sob pena de jamais alcançarmos o dia que nunca chega. O povo não quer só comida…
*Salim Abdullah, sociólogo, é especialista em geopolítica do Oriente Médio, Ásia e Leste europeu.