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Mundo enfrenta fim de uma era ou fim da humanidade?

Em 2022 foi desencadeada a guerra que vinha sendo provocada pelo mundo ocidental ao mundo euroasiático da Nova Rota da Seda. A que nos levará esta guerra? Ao fim de uma era ou ao fim da humanidade? A paz é possível?

A história do homem na Terra disponibiliza, constantemente, novos dados, mais informações, que nos permitem melhor conhecer o nosso passado. São registros de diversas formas: objetos, documentos, construções de casas, de infraestruturas, uso de diferentes materiais, que nos permitem inferir as necessidades, identificar as soluções e saber da vida da sociedade humana nos diversos momentos.

Decorrem das aplicações das tecnologias, em processo permanente de evolução, possibilitando conhecer e esclarecer momentos do passado, com recursos da antropologia, paleologia, etnografia, arqueologia e outras ciências. Também as metodologias da interpretação mudam, fazendo com que exista necessária dinâmica de compreensão; não se pode, sem graves erros, manter o entendimento do fato, mesmo quando a ele presenciado, pois a ótica particular nunca é abrangente e está influenciada pela pedagogia colonial, que nos foi entranhada desde o nascimento.

Por isso, voltamos constantemente a ler a história, reestuda-la com os novos elementos desvendados e com as novas metodologias disponíveis.

A pergunta que deve ser feita hoje é: qual o poder predominante naquela época? Podemos, a partir desta resposta, verificar qual a expressão do poder foi então principal ou dominante, sem nos deixar levar pelas narrativas que privilegiavam outra expressão. Exemplo. Quem examina o mundo antigo pode ser levado a concluir que, vivendo em guerra, a expressão militar era a principal manifestação do poder. No entanto, esta mesma manifestação militar servia para garantir a sobrevivência, em determinada época da sociedade, ou seja, subsidiária da expressão política ou da psicossocial, ou para promover o intercâmbio, rotas de comércio, então a expressão econômica, ou para ampliar um império, expressão política. Portanto, precisamos ir um pouco mais profundamente se desejamos ter mais consistência em nossa interpretação.

Iríamos adiante nos exemplos, mas estaríamos nos afastando do principal: o mundo está realmente saindo de uma era e entrando em outra? Quais são elas?

As metodologias que nos trouxeram a teoria dos sistemas gerais e a da teoria matemática da comunicação nos permitiram juntar vários fatores para buscar a resposta.

Tratemos, pois, de buscar as respostas para o título deste artigo.

Que era estamos vivendo? A do capitalismo financeiro.

O historiador e filósofo britânico Nicholas Hagger (1939), em “The Secret History of the West” (2005), afiança que todas as revoluções desde 1453 até a Revolução Russa de 1918 foram direcionadas pelo capitalismo financeiro. E narra a vida de Mayer Amschel Bauer (1710-1751), judeu, cambista e mercador itinerante, que nasceu e morreu em Frankfurt (Alemanha), e sua descendência, adotando o nome Rothschilds, como demonstração de mais de 300 anos do poder econômico financeiro, que ainda está em ação.

O sociólogo e economista da Saxônia-Anhalt Werner Sombart (1863-1941), em “Die Juden und das Wirtschaftleben” (1911), escreve no Prefácio: “os componentes do dogma puritano, que me parecem ter real importância para a formação do espírito capitalista, constituem empréstimos da esfera de ideias da religião judaica”. E adiciona que esta compreensão cresceu ao analisar “as transformações na vida econômica europeia que tiveram lugar desde o fim do século XV até mais ou menos o final do XVII, e que fizeram que o peso econômico se deslocasse dos países meridionais para os países setentrionais da Europa” (tradução de Nélio Schneider do original alemão para Editora Unesp, SP – Os judeus e a vida econômica, 2014).

O período conhecido como Baixa Idade Média tem seu fim, assinalado pela maioria dos historiadores, no século XV. Certas transformações levaram a Idade Média para o auge, e também preconizaram seu fim: o crescimento populacional e a urbanização, as melhorias nas tecnologias agrícolas, o comércio, mais amplo do que em torno das vilas e burgos, as centralizações políticas nos principais “países”: Inglaterra, França, Alemanha, Espanha, Países Baixos que possibilitaram maiores investimentos e a organização estatal que conduziria aos denominados “Estados Nacionais”.

Mas houve também diversas crises: climáticas, sanitárias, revoltas por questões religiosas e de sobrevivência, que fizeram surgir ideias e criações que são denominadas “mercantilismo”, “renascimento”, “reforma”. Inovadoras, algumas, e reacionárias, outras.

Foram, como se vê, séculos muito férteis estes que transformaram a Idade Média na Idade Moderna. Qual o poder e expressão que conduziu esta mudança? Houve certo reinício de participação popular, logo reprimida, e o empoderamento da iniciativa econômica, mais estritamente monetária. Sintetizando diremos que o mundo ingressou no capitalismo financeiro, do qual parece hoje estar saindo.

Tratemos então de entender este “capitalismo financeiro”, sua dialética, personagens, estrutura de poder, que o mantiveram por mais de seiscentos anos. E as razões de sua percebida queda.

Capitalismo financeiro
Algumas palavras são chaves para este capitalismo financeiro. Uma delas é a liberdade. Mas o que é liberdade? Qual seu conceito?

Para Sócrates (469 a.C.-399 a.C.) o homem livre é aquele que consegue dominar seus sentimentos, seus pensamentos, a si próprio. E a escravidão é marcada pelo fato de o homem deixar que as paixões o controlem. Já em Platão (427 a.C- 348 a.C.) há o sentido político. A liberdade é entendida como liberdade na sociedade, na cidade (polis). A ação do homem se dirige ao “Bem Comum”, para o que é necessário ser livre. E para Aristóteles (384 a.C.- 322 a.C.) a liberdade é a capacidade de decidir por si mesmo, para agir ou omitir, escolher entre alternativas por ato voluntário.

Esta liberdade passa, com o tempo, a esquecer da máxima romana, aquela que transformou Roma não apenas em um Império, mas na formadora das sociedades futuras, na base do direito que suportaria todas as pressões: sociais, políticas, econômicas, disfunções psicológicas e alucinações individuais e coletivas, também a servidão, a escravidão e garantir o direito de ser livre: “salus publica suprema lex esto” (o interesse comum está acima do interesse privado).

Porém os pensadores do capitalismo e mesmo seus opositores foram restringindo a liberdade, aquela sociedade que encontrou na Realeza e na República Romana seus momentos mais notáveis.

Não discorreremos sobre as filosofias nestes seis séculos. São considerados liberais o matemático e político inglês Thomas Hobbes (1588-1679) pois o homem sempre estaria competindo com outro homem (homem lobo do homem) e era necessário um organismo acima dos homens para o convívio deles, para a paz: o Estado Leviatã, do poder absoluto. Neste conjunto está o inglês John Locke (1632-1704), considerado “pai do liberalismo”, embora discordasse de Hobbes pois a soberania para ele não residia no Estado, mas na pessoa, ou seja, no homem individual, não coletivo.

Porém, como alertamos, há leituras que se mostraram equivocadas, que o tempo e a ciência nos possibilitaram rever. No Monitor Mercantil, na página Opinião, em 29/09/2020, o cientista político Felipe Maruf Quintas esclareceu: “Dos muitos enganos consagrados como verdades ao longo dos séculos, a classificação do pensamento social e econômico do filósofo escocês Adam Smith (1723-1790) como fazendo parte do liberalismo é um dos mais aceitos. Liberais e antiliberais, defensores, críticos e curiosos da obra de Adam Smith, todos, quase sem exceção, rendem tributo a esse equívoco, partindo dele para fundamentar suas análises. O objetivo desse artigo é demonstrar, a partir da leitura tão cuidadosa quanto heterodoxa da obra mais conhecida de Smith, “Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações”, ou simplesmente “A Riqueza das Nações”, o equívoco de considerá-la parte da tradição liberal. A começar pelo título dessa obra: “Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações”, É significativo que Smith tenha escolhido a “riqueza das nações”, e não dos indivíduos ou do mercado, como tema da sua obra” (Adam Smith contra o liberalismo: o capital produtivo).

Colocar o homem como capaz e independente para exercer sua liberdade, depois restringir esta liberdade apenas à economia e, por fim, subordinar todos ao “mercado”, o que significa àqueles que podem manipular os preços e as condições, sem qualquer ressalva moral ou escrúpulo social, é manifestação de exclusão e de repúdio à condição humana.

O capitalismo financeiro demonstrou ser um sistema excludente para todos, em outras palavras, um sistema permanentemente concentrador de rendas e riqueza.

Sistema financeiro
Aristóteles, filósofo grego que muito influenciou o pensamento ocidental, escreveu sobre a economia (oikonomía), palavra composta de oîkos: casa, no sentido amplo de lar: espaço físico e das pessoas e das atividades lá desenvolvidas, e nem, organizar, administrar. Os quatro séculos que separam Aristóteles de Cristo e os vinte e um até chegar ao nosso tempo, mostram que a economia tem 2.500 anos de reflexões e debates.

Só não é mais antiga do que a própria sociedade humana e a guerra, ou seja, as expressões política e militar do poder, nelas incluídas a psicossocial. Porém o capitalismo a alçou para a mais relevante expressão, quase um sinônimo de poder.

Estudar o capitalismo financeiro é, de certo modo, estudar a trajetória do povo judeu, do crescente fértil do oriente médio até a universalização pretendida pelo fim do Estado, o mundo neoliberal.

O filósofo, historiador e escritor francês Joseph Ernest Renan (1823-1892) escreveu: “uma pequena seita, enclausurada nas múltiplas prescrições que a impediam de viver a vida comum, é naturalmente insociável. Torna-se odienta e fatalmente odiosa. Não tem isto graves inconvenientes para uma sociedade imbuída dos grandes princípios liberais, como a sociedade moderna, e como foi, sob certos pontos de vista, a civilização árabe na primeira metade da Idade Média. As práticas do farisaísmo e do talmudismo faziam deste regime de reclusão o estado natural do povo judeu”. E Renan distingue a prédica popular (agada) da Lei (halaka) para concluir que “Jesus vem dos profetas e não da Lei. O Talmude, pelo contrário, é o culto da Lei levado até à superstição” (A Igreja Cristã, 1879).

Werner Sombart, citado, descreve a trajetória da economia pelo “povo que confessa a fé mosaica”, desde a Alta Idade Média, na Itália, na Espanha, no Império Merovíngio até a perseguição sofrida nos estados mediterrâneos e seu deslocamento para o norte europeu, explicando o “florescimento repentino da Holanda”, “intensivo da França e da Inglaterra” e atravessando o Atlântico com o “descobrimento da América”.

Estes deslocamentos dos centros econômicos, na unidade de um povo, são fortes elementos da sobrevivência de uma economia centrada nas finanças, ou seja, do capitalismo financeiro. Que, no entanto, encontrou resistências na Ásia.

Hoje é comum encontrar-se a designação anglo-sionista, ou estadunidense-anglo-sionista para identificar o poder financeiro que desde os anos 1980 domina absoluto o ocidente, o contexto OTAN.

Emergência asiática
Desde a última década do século XX, a República Popular da China empreendeu um projeto de desenvolvimento construtivo, produtor, e, consequentemente, comercial. Estatística econômica espalhada nas redes virtuais aponta que, neste 2021, a China respondeu por 70% do comércio internacional. Não é impossível se observarmos a imensa rede de infraestrutura financiada pela China (ferrovias, portos, aeroportos, canais fluviais, rodovias) nos 145 países que constituem a Nova Rota da Seda (“Cinturão e Rota”, também conhecida como “Um Cinturão, Uma Rota” ou “Cinturão Econômico da Rota da Seda”).

Porém esta investida no domínio econômico é um dos aspectos do pensamento que faz privilegiar a produção à especulação, o trabalho ao rentismo, a união, a sociedade ao individualismo e à segregação.

Também tem sua origem, como o sionismo, séculos antes da Era Cristã. É o confucionismo, o pensamento contido em “Os Analectos”, de Confúcio (551 a.C.-479 a.C.).

Estes pensamentos foram dirigidos a um povo agricultor, inclinado a observar a realidade da natureza, as consequências das ações, e pouco afeto ao mundo extraterreno. Quando se refere aos deuses ou ao céu, o chinês está pensando na soma das virtudes humanas, não em um poder superior. Pode-se dizer que o chinês é materialista, o que explica a facilidade com que o materialismo dialético dominou a política e o psicossocial do País.

Duas palavras podem resumir o pensamento de Confúcio: caminho (tao) e virtude (te). O caminho é o saber, sempre agregando ao longo da vida, e, consequentemente, a soma das verdades. A virtude está no homem, é algo que existe como a moral. Se o caminho faz o homem, a virtude é o céu que há em mim (Os Analectos, IV.8 e VII.23).

Conclusão
Não se trava guerra entre os Estados Unidos da América e a Federação Russa, nem mesmo desta Federação com a Organização do Tratado do Atlântico Norte, tendo por campo de batalha a infeliz Ucrânia, levada por interesses não nacionais a esta situação. O mundo assiste a luta do Talmude contra Os Analectos: dois modos de vida. Não adianta ignorar nem buscar neutralidade. Ou manteremos o sistema dominante, que tem levado à exclusão e morte da imensa maioria dos povos, ou tentaremos esta nova era.

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