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Nunca é tarde para viver

Na fazenda, jabuticabeira secular nos dá lições de vida

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Autor/Imagem:
Mércia Souza* - Foto Produção Irene Araújo

Os psicólogos dizem que a adolescência é um período em que buscamos ser aceitos e por isso nos unimos a pessoas parecidas ou nos adaptamos fazendo o mesmo que outros adolescentes para que possamos ser aceitos no grupo.

Hoje tenho a sensação que algumas pessoas ficaram presas na adolescência, mal sabem conversar pessoalmente, não tem assunto, mas, na internet se unem a grupos para que assim se sintam aceitos.

Tenho a sensação de que as pessoas perderam o senso comum, a capacidade de discordar sem que se transforme em inimizade e a chance de aprender com o que é diferente ou não conhecemos.

Me considero alguém de sorte, no meu círculo de amizade e convívio tenho muitas dessas pessoas, discordamos seriamente, pensamos diferente e assim sigo com ideias novas e as vezes histórias lindas.

É nesse convívio de pessoas diferentes que fui pela primeira vez ao Caparaó, o convite veio de uma amiga que na época tinha 70 anos e eu 36.

Um grupo de senhoras, a idade variava de 67 anos a 92, com exceção de mim e uma amiga com 47, éramos 17. Um dos passeios mais alegre da minha vida, elas toparam todos os passeios, dançaram, contaram piadas, uma alegria constante, além de dividir suas experiências de vida.

Um desses passeios foi na cachoeira das andorinhas, dois jipes, e muita piada, na volta o motorista sugeriu uma visita a uma fazenda de café, que infelizmente esqueci o nome, claro, todas toparam e lá fomos nós.

A fazenda havia ganho um prêmio de melhor café naquele ano, na Suíça. Descemos e eu logo me encantei com uma jabuticabeira no quintal, uma árvore enorme, muito mais alta do que a casa, normalmente elas são pequenas.

Enquanto eu admirava curiosa a árvore na varanda e todas as senhoras entraram percebo a empolgação do fazendeiro, rapidamente ele trocou as xícaras por belas porcelanas de xícaras com pirex, decoradas com belas flores rosas e colher douradas, fazendo questão de servir uma a uma, o treino para apresentar seu café perdeu a linha e ele falava sem parar tentando chamar atenção das belas senhoras a sua frente.

Ri por dentro e voltei minha atenção ao enorme pé de jabuticaba, uma das senhoras ao meu lado perguntou:

– O que tanto olha?

– Tenho certeza de que é um pé de jabuticaba, mas nunca vi um dessa altura e tamanho, estou curiosa.

Atento, o fazendeiro ouviu parte da conversa e na intenção de demostrar seu conhecimento e deixar uma boa impressão, explicou:

– Essa jabuticabeira é da Amazônia, da mata atlântica por isso é maior do que as outras e esse pé em especial tem uns 300 anos, não dá mais fruto, está aí pela sua história, faz parte da história da fazenda.

Ao lado da varanda um pé de jabuticaba desse que conhecemos, pequeno, carregado, três senhoras, de pé ao lado dele comentavam sobre a jabuticabeira de trezentos anos, um dos funcionários da fazenda, já
aposentado, trabalhando na recepção e apoio ao fazendeiro transitava por ali, e percebeu as senhoras, entendeu que elas queriam jabuticaba e rapidamente veio correndo, com uma vasilha, abriu a saia da árvore e começou a subir.

Da varanda eu observava sorrindo e pensando: Não estou vendo isso!

As senhoras diziam:

– Tudo bem senhor, não precisa subir, pegamos aqui nos galhos… dá para pegar… o senhor pode cair.

Ele, o adolescente que dessa vez não estava em busca de um grupo, mas que provavelmente nunca perdeu o jeito da conquista tinha dentro de si um jovem galanteador de quinze anos e do lado de fora um corpo de
setenta, se equilibrava nos galhos demonstrando sua juventude e dizia:

– Não, eu estou com setenta, mas a energia e agilidade é de quinze anos.

Terminamos nosso café, nossa visita e os dois senhores de quinze anos nos conduziram até o jipe.
Até hoje carrego aquela linda cena, o corpo envelhece, a alma, o coração segue jovem.

Nunca é tarde para viver! Hoje fico observando os senhores e senhoras que já não precisam ser aceitos por grupos, mas não perdem uma oportunidade de despertar seu lado adolescente, como é bonito!

……………..

Mércia Souza. Mãe, avó, dona de casa, artesã crocheteira, escritora, fundadora do projeto “Mulheres com Voz”. Sonha com um mundo onde mulheres sejam ouvidas e que os homens saibam ouvi-las, excedendo assim a igualdade e compreensão.

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