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Murcho como folhas do Outono

Na primavera do amanhã, só ele ficou no passado

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Lula Marques/ABr

Uma vez soldado raso, sempre soldado raso. E não adianta o sujeito da oração já ter comandado general, almirante e brigadeiro. Caso fortuito. Com a mesma rapidez, voltou ao ostracismo da caserna e, mesmo sem mandato, está definitivamente no umbral da política, também conhecido por baixo clero. Exatamente como em uma novela da Vênus Platinada, o personagem escolhido para ser o astro central da trama acabou se transformando em um dos maiores vilões do horário nobre da vida nacional. Morreu bem antes do fim e, agora, terá de esperar para que sua triste história vire um remake da meia noite no Canal Viva, aquele que cobra para replicar coisas que a gente não aguenta mais assistir.

Tudo teria começado quando, por falta de opção acadêmica, um suposto atleta do Riocentro virou “capetão” de alpargata. A fragata partiu antes da pisada dele na linha de chegada. Daí, em decorrência de seus rompantes animalescos, lhe foi dada a oportunidade de seguir carreira no paraquedismo, embora a vocação do camarada incendiário de bancas de jornais fosse a cavalaria. No meio dos alazões, ele encontrou Jorge, o da Capadócia, e então descobriu que, além dele, só os filhos e meia dúzia de emburrecidos patriotas acreditavam que poderiam viver em mundo absurdo. Ele percebeu tarde demais que, se estamos sós quando estamos sós, é porque estamos em péssima companhia.

Segunda-feira, primeiro dia útil do mês da primavera, é a época em que normalmente acordamos mais felizes e esperançosos. Certo? Errado! Despertei meio capitão, meio general e me levantei certo de que vivi e continuo vivendo como meu personagem, o soldado raso. Graças a Deus. Minha dor foi perceber que, apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais. O problema é a saudade do que eu e minha geração experimentamos até o primeiro golpe. Sorte a nossa que, por conta das bizarrices de toupeiras travestidas de terroristas, o segundo foi engolido com farinha, maionese e leite condensado. A alegria maior é ser informado que o ontem e o anteontem não voltam mais. Melhor ainda é que ele ficou no passado. Não volta.

Quanto ao amanhã, tudo pode acontecer. Menos com ele. Saudosista assumido, a proposta era começar a primavera escrevendo reminiscências, discorrendo sobre coisas diferentes, menos tóxicas, mais pitorescas. Mas como fugir desta louca história que parece não ter fim? Pelo menos as boas notícias do fim do inverno são que o tenente-coronel Mauro Cid abriu a boca e que furaram o saco de joias e o coturno abarrotado de minutas almirantadas sobre a fé cega do poder sob baionetas, garruchas e tanques fumacentos da Marinha brasileira. Para o bem do Brasil e do povo brasileiro, a lambança chegou ao topo do quepe dos terrivelmente honestos.

Entre cobras e lagartos, também saíram do lamaçal patriótico fundamentalistas estelionatários que, em nome de Deus, usavam a fé dos ingênuos para roubá-los. Se é que existem, os verdadeiros evangélicos devem estar com o pescoço enterrado no formigueiro com vergonha dos pastores descarados. Não queria falar desse ou daquele. A ideia era buscar nos amigos inspiração para lembrar de pessoas e de coisas que a gente tem de guardar do lado esquerdo do cérebro e do peito. Inesquecíveis, artistas como Paulo Gracindo, Luiz Gustavo, Tarcísio Meira, Sérgio Cardoso, Chacrinha, Tim Maia, Taiguara, Belchior, Fagner, Arlênio Lívio, Cassiano, Erasmo Carlos, Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Tom, Vinícius, Maysa e Rita Lee, entre outros, encantavam nossa semana e iluminavam as tardes musicais de sábado e domingo.

Nos estádios, a festa ficava por conta dos pés de Jairzinho, Gérson, Rivelino, Pelé, Zico, Roberto Dinamite, Junior, Leandro, Dario, Falcão, Edu, Gilson Nunes, Dé e mais uma infinidade de jogadores inesquecíveis. Acabaram os craques, surgiram pernas de pau endinheirados. Sumiram com os astros da música, inventaram os cantantes de uma nota só. O que fazer se não temos mais o brilho de Cauby, Caetano, Milton Nascimento, Nelson Gonçalves, Chico, Gil, Vandré, Renato Russo, Nara Leão, Elis Regina e Vander Lee? Nada! Chorar, lamentar e morrer de tédio ao ouvir Anitta, Ludmilla, Wesley Safadão, Jão, Fiuk, Banda Calypso, Luísa Sonza, Lexa, Juliette, Gil do Vigor, Luan Santana e Gusttavo Lima. Assim como o Messias, eles também faturam horrores, mas enganam, desencantam e comprovam uma máxima muito particular: Éramos felizes e sabíamos.

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