No original, elas são ‘rebelles’ e você não precisa saber francês para entender – Rebeldes. No Brasil é que o título ganhou acréscimo sem descolar da trama – Mulheres Armadas, Homens na Lata. Um crítico já definiu o filme como Thelma & Louise para o século 21, acrescentando que a dupla famosa está de volta como trio. Seria acurado, se o longa de Ridley Scott não colocasse suas heroínas pré-feministas na estrada, e a comédia dramática de Allan Mauduit não fosse um filme localizado, num meio preciso, quase claustrofóbico.
Antes de mais nada, Mulheres Armadas é um filme de atrizes – Cécile de France, Yolande Moreau, Audrey Lamy. A bela Cécile foi miss em Toulouse sur Mer e agora está de volta. Levou pancada do marido, ou amante, e volta para o camping para recomeçar a vida. O assistente social a adverte, quando vai procurar emprego – não há escolha, qualquer um já será bom.
Bem-vindos ao mundo das economias liberais. Ela vai trabalhar numa fábrica de conservas de peixe, e é onde entram os homens, ou o homem, na lata. Cécile conhece a dura realidade do assédio. E logo vai se envolver com um policial que também vai investigar o desaparecimento do chefe dela. O cara que sumiu tinha uma mala de dinheiro do crime. As operárias mal pagas veem no dinheiro uma oportunidade para a grande virada. Mas são mulheres, e têm de enfrentar os homens.
Como descrição de um meio social opressivo, o filme poderia ser de Ken Loach, e seria outro. Mulheres e regeneração. Allan Mauduit segue outra via. Não teme ser grosseiro nem vulgar. Cécile, belíssima, vira um caco. Audrey Lamy, muito popular na TV francesa, é aquela mãe fracassada a quem o próprio filho diz que sobraria dinheiro em casa, se ela não se drogasse tanto. E Yolande Moreau, maravilhosa atriz, faz a mulher que já perdeu toda a esperança, mas segura, mesmo assim, as pontas de uma família disfuncional. O que fazem essas mulheres? Mulheres Armadas, Homens na Lata é uma fábula sobre o empoderamento feminino, sem heroísmo – nenhuma delas é uma mulher-maravilha – mas também é sobre o que pode ser o inverso, ou reverso, dessa moeda.
Mulheres poderosas, homens castrados? A castração pode ser real, ou metafórica. Numa fábrica de sardinhas, faz sentido que as mulheres armadas coloquem o homem na lata – mesmo que seja de sardinhas. Mauduit não embeleza sua fábula. É tudo muito sórdido. Quando Cécile, a personagem, encontra o pai, ele não vale nada, mas os laços de sangue sempre contam – lição que também se encontra em outro filme francês em cartaz, A Última Loucura de Claire Darling, de Julie Bertuccelli, com Catherine Deneuve. Aliás, aproveitando a referência, Mulheres Armadas termina bem melhor que Claire Darling, e também que O Professor Substituto, outro longa francês – de Sébastien Marnier, com Laurent Lafitte – em cartaz na cidade. Essas mulheres enfrentam maridos, filhos, pais, até um policial íntegro (mas não tanto) para se afirmar no mundo hostil.
Chegam vivas, comemorando, no final, sem enfrentar o suicídio de Thelma & Louise, no desfecho do Ridley Scott, de 1991. Há quase 30 anos, mulheres podiam se afirmar, reproduzindo a trajetória dos homens no mundo masculino, mas ainda terminavam punidas. No terceiro milênio, não tem homem que segure Cécile e suas amigas – ela, a propósito, chama-se Sandra na ficção de Mauduit.
Na França, ele é conhecido principalmente por Kaboul Kitchen, minissérie (em 17 capítulos) sobre um restaurante em pleno Afeganistão conflagrado. O dono é um cínico que está ali para ganhar dinheiro e não se importa nem um pouco com o horror além da porta de seu estabelecimento. Quem se importa é sua filha, que tem preocupações, digamos, humanitárias. Tudo a ver com Mulheres Armadas. Preste atenção no discurso moral do policial. Há que estar atento contra os que se valem das tábuas da lei para nos enganar. Mauduit acerta o tom e com suas atrizes logra um filme crítico e divertido.