Bigamia linguística
Nada contra língua inglesa, mas o português é melhor
Publicado
emPerplexo e avexado com o sucesso do espanhol Pep Guardiola no Manchester City (o time que ganha tudo), dia desses resolvi tornar pública minha singular aversão à língua inglesa. Nada contra os ingleses, mas tudo a favor do idioma herdado do portuga Cabral. Por me entender muito bom de língua, também não me manifesto contrariamente aos poliglotas. Academicamente, até acho muito interessante. O que lamento é a preferência pelo que é dos outros. Utilizando sem a antecipada licença o aforismo “Conhece-te a ti mesmo”, atribuído ao filósofo grego Sócrates, minha ambição é dizer em cinco ou seis parágrafos o que qualquer outro ainda não disse em um livro. Com a devida vênia à bigamia linguística, como é gostoso o meu português. Não o da padaria, mas o dos meus numerosos alfarrábios, cujo valor monetário é nenhum.
No entanto, até hoje são de grande valia para minha necessidade de aprendizado. Após o lapso carnavalesco, quando a licença poética grassa na avenida, decidi reavaliar a lógica e buscar argumentos que justifiquem a necessidade de um gajo português corrigir energicamente um brasileiro por questões puramente semânticas. Não foi difícil. Por exemplo, é um atentado à racionalidade perguntar a um lusitano se ele já fechou seu estabelecimento com meia porta aberta, consequentemente com meia cerrada. Grosseira, a resposta é rápida: Oh, sua besta, como iria fechar a loja se hoje não a abri. Aliás, a coerência do português de Portugal é inquestionável. Lembra um memorável concerto da Banda U2 em Lisboa. Num dado momento, o vocalista Bono pediu silêncio ao público e depois começou a bater palmas freneticamente no ritmo da música tocada pelos colegas de banda.
Depois de alguns minutos de palmas, Bono parou e, dirigindo-se à plateia, disse que a cada batida de suas mãos uma criança morria na África. Estupefacto e pussesso da vida, um portuga da turma do gargarejo gritou: “Ó cacho, filho de uma …então para de bater palmas”. É uma questão de puro raciocínio coerente com o que se ouve. Recentemente, eu mesmo me descobri um profundo desconhecedor das máximas da língua mãe ao consultar o Google para checar o sentido de determinadas palavras. Entre uma e outra checagem, fui informado de que “punhado” é o que cabe na mão e “bocado” é o que cabe na boca. Deletei a página antes de me inteirar sobre o significado de “cunhado”. Eita língua recheada de idiossincrasias. A principal delas é mais comum do que imagina a vã filosofia. Dizem – eu sou um deles – que todo brasileiro gosta de samba, futebol e cerveja.
Entretanto, existem nacionais que abominam o samba, detestam futebol e acham cerveja uma invenção do Diabo. Apesar da falta do prazer em viver com alegria, esse povo enfadonho e triste não deixa de ser considerado brasileiro. Voltando à minha rixa com os exageros do “inglesismo”, repito sempre que posso que não sou light, cool ou pop star. Costumo ter insights. Daí a razão pela qual não ando de ferryboats, nem que o comandante sirva drinks da hora e frugais brunchs. Se insistirem, até posso pegar um Vapor barato e desfilar com a honey baby montado em minha bike, apetrecho que um dia chamei carinhosamente de magrela. Nada mais do que isso. Embora meu high-tech permaneça ativo, faz tempo que meu sex appeal atrofiou por causa do Tik-Tok no girassol (se é que me entendem). A tempos, abandonei o Facebook, o Twitter e arquivei de vez o Instagram.
Agora, depois do rompimento definitivo com o carajo do Javier Milei e seu inglês macarrônico, me dou ao desfrute de ouvir quantas vezes quiser I’m not dog no, Black people car e I love you Tonight, três das maiores canções do grande Falcão, representante único do cearensês. Como não sou chegado a strange words (palavras estranhas), opto sempre por lugares em que, no mínimo, consiga entender e ser entendido. Gosto de me sentir em casa. Recentemente, em “turnê” pelo Paraguai, fui interceptado na imigração por um militar imponente. Muito simpático, o sujeito cheio de medalhas no peito me exigiu o atestado de vacinação: “Vacunaciones, señor!”
Tentando retribuir a suposta afável recepção e crente que estava abafando, respondi na lata: Gracias, señor capitán. Vacunaciones para usted también! Teria ido em cana não fosse um desses little deivil (diabinho) norte-americano. Com ele, aprendi que a tal da vacuna a gente toma no bumbum e nada tem a ver com vacaciones (férias), quando, no exterior, a gente só leva nas nádegas. Portanto, fã de um pan com huevo com la yema “muele”, acompanhado de um Cueca-Cuela, vou morrer não gostando de tudo que vem da língua inglesa. No máximo as inglesas. A alusão ao craque Pep Guardiola pode ser justificada por uma afirmação não tão remota de que ele, como treinador, ensina hoje o que aprendeu ontem e anteontem com o futebol brasileiro. Ou seja, se ensinamos aos ingleses, não temos a necessidade de seguir o que ditam. Em tempo: nesse Carnaval também perdi o gosto pela Baby, que era do Brasil.