Poderia começar a escrever este texto pela última letra da primeira linha – algo de trás pra frente, como é lido lá pela região onde Jesus também é amado, mesmo que continue odiado pelo povo que O mandou para a cruz. Deixemos, pois, de preâmbulos, e apresentemos nosso personagem.
Nasceu Nagib, filho de Nagib, neto de Yousseff. O bisavô, Houssein, veio a ser o rei dos drusos, povo nômade que dominava o Vale do Bekaa, no longínquo Líbano. Perdeu a coroa e a cabeça no período que antecedeu a I Guerra Mundial, época em que os franceses tomaram o território libanês de assalto, fazendo do nosso país seu protetorado até meados da década 60 do século passado. Foi quando Paris decidiu, inexplicavelmente, abraçar a causa dos judeus no massacre dos palestinos que se estende até hoje.
Nagibinho vasculha o passado em busca do presente. E descobre, ouvindo parentes e estudando um pouco da história do Líbano, que a árvore genealógica dos Seabra tem muitas raízes. O Seabra dele (e meu) é de origem muçulmana. Originalmente somos Sabra. Vem da época em que os árabes invadiram a Península Ibérica (Espanha e, posteriormente, expandindo-se para Portugal). Isso em meados dos anos 710 depois de Cristo. Algo do tipo retaliação contra as cruzadas papais.
Um dos comandantes que compôs a tropa invasora, à frente o imperador Tarik, era o libanês Mohammad Marmhut Sabra el-Awar. Veja bem: Marmhut Sabra. Nas terras portuguesas, por neologismo, os Sabra viraram Seabra. Do comandante Mohammad descendeu o rei druso Houssein Marmhute Sabra el-Awar, que reinou nas terras libanesas do Vale do Bekaa, até a invasão do Líbano pelas tropas francesas no prenúncio da I Guerra Mundial.
O rei foi decapitado. Seus filhos, os príncipes Salim e Youssef, buscaram refugio no Marrocos. Ainda no decorrer da I Guerra, aportaram no Brasil, instalando-se em Belém, onde consolidaram uma indústria pesqueira. Tinham, então, uma frota com 11 navios de pesca. Um atentado a bomba em um dos barcos provocou a morte do príncipe Salim.
Temendo por sua vida, o irmão Youssef naturalizou-se brasileiro e casou-se com a portuguesa Júlia Farias Seabra. Ao naturalizar-se, e como a colônia portuguesa dos Seabra era grande nas terras paraenses, o escrivão substituiu o Sabra por Seabra. Surgiu, daí, José Seabra. Ele mudou-se para Recife, onde virou industrial da panificação.
Dele Nagibinho é neto. Não tem, porém – por não querer -, cidadania libanesa. Bastaria uma chegada na Embaixada do Líbano em Brasília para preparar os papeis. Eu e Hamed, um irmão, tomamos a iniciativa de fazer o que outros parentes deveriam providenciar. Na condição de também cidadão libanês, sou Youssef Marmhute Sabra el-Awar, ou seja, o nome de registro de nosso avô lá no Bekaa.
Nagibinho, apesar dos seus cabelos prateados, ainda está em tempo de virar Nagib Marmhute Sabra el-Awar. Ele sabe que seu sangue veio do Líbano, como os demais Seabra, portugueses, que têm DNA muçulmano, pois são todos sangue do velho comandante Mohammad, aquele a que me referi acima, dos anos 710, quando da ocupação da Península Ibérica pelos árabes.
O primo, hoje nas terras alagoanas, promete investigar mais. Avalia inclusive dar uma chegada na terra onde foram fincadas as primeiras sementes da família, que brotaram, se fizeram árvores e espalharam frutos. Lá ele saberá que, embora goste de degustar um bom vinho tinto, seu sangue, na verdade, é azul. Como o selo dos Sabra el-Awar.