Como se pudesse reduzir a idade, noite passada sonhei que voltara a ser menino grande. Muito mais do que um sonho qualquer, foi uma viagem no tempo. Revi pessoas que não via desde que elas partiram para o outro lado. Como foi bom entender que o tempo não existe. O que existe é o passar do tempo. De todo modo, como foi bom ter saudade dos velhos tempos. Melhor ainda foi enxergar o quanto é fácil amar o próximo. Difícil mesmo é se dar bem com quem está ao lado. Pelo sim, pelo não, tive certeza de que, na idade em que estou, o lobo perde o pelo, mas mantém o faro.
Devaneio ou não, percebi que, longe de ser prazerosa, surpreendente ou unânime, a morte é, acima de tudo, uma sacanagem da qual nenhum ser humano está livre. É a máxima de que a vida é uma doença terminal. Às vezes, o finamento pega o sujeito de frente, de costas, sob, sobre e até no modo sub, isto é, sendo inoculado por um longo, penetrante e dolorido fármaco na forma de supositório. E dos bitelos. Ruim é que eles sempre nos pegam por trás. Não sou do tipo aconselhador. Talvez por isso seja sempre lembrado que, seja qual for a situação, rabo e conselho só deve dar a quem pedir.
Sei que ninguém se conforma de já ter sido. Nem eu me conformaria. Meu avô Aristarco Pederneira talvez tenha sido uma das poucas exceções. Embora mais duro do que bunda de estátua, não esqueço a impressão de que, no fim do seu velório, ele estava bem mais aliviado. Estou certo disso porque conheci somente meia dúzia de machos que, como o velho, sempre agiam como um bode velho no cercadinho das cabritas. Dos tempos em que da vaca o melhor pedaço era o rabo, Aristarco Pederneira tinha duas filosofias de vida. Na mais singular e prática, ele dizia que mais vale um filé no prato do que um boi no pasto ou no açougue.
Emblemática e de complicada compreensão no modo solo, a segunda ele preferia escrever no quadro negro que era verde: “Sexo é a única atividade que pode dar prazer a duas pessoas que se detestam”. Custei a captar a mensagem. Entretanto, após captá-la foi mais fácil concluir que tchaca tchaca na butchaca é muito mais amplo e profundo do que uma simples e certeira tacada na caçapa. Na viagem sem nexo, conheci autoridades jurídicas, médicas e até eclesiásticas que partiram dessa para melhor com a boca ou algo mais na botija. Normalmente no interior dela. Tudo culpa da dose dupla daquele remedinho colorido do tipo pomada para calos.
Como a bula explica que o medicamento enrijece, cresce e cai, o recomendável pela medicina contemporânea é não se exceder. Em outras palavras, na hora do créu, créu, créu, jamais misture uma boa dose de branquinha com o azulzinho, o verdinho ou o amarelinho. Não sei se me entendem, mas a confusão pode atingir as duas cabeças e daí o que era doce vira mingau antes de virar melado. Os citados velhinhos – alguns nem tanto – pereceram exclusivamente por conta do consumo exagerado do sushi. O sashimi ficou só no cheiro. O que revi e não gostei foi o encontro com um amigo que teve um amigo cujo primo sucumbiu picado.
Pura obra do acaso. Aliás, triste e inusitado. Vivente da roça, estava ele no meio da noite, atrás da moita, em pleno fazimento do número 2. Calça e cueca arriadas até o joelho, não percebeu a chegada sorrateira do bicho sem pescoço que, quando entra, só sai depois de regozijar. Esse era diferente. Rápida e rasteira, a surucucu do rabo grosso picou um ou dois minutos após o cidadão completar a quimera intestinal. Foi pau e bufa. Diz o amigo do amigo que a picada atingiu a Faixa de Gaza, localizada entre o pau da bandeira e o buraco negro de ozônio. Foi uma cusparada certeira do mais puro e genuíno veneno. Dizem que a cobra também morreu devido ao adiantado estado de putrefação do que fora expelido. Quanto ao homem da cagada maldada, a moral da história é simples: ajoelhou e morreu, tem de rezar.
*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras