Fogo inimigo
Negar fumaça criminosa é o mesmo que defender predador ambiental
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emIndependentemente de ideologias, poderes econômico e político, a natureza não tem comando. Ela é um bem coletivo. Por isso, sua preservação depende de ideias, propostas e forças sem partidarismo e, sobretudo, sem chefias. Além de perturbadora e ameaçadora, a mensagem do Universo em forma de fumaça é clara: ou respeitamos o patrimônio divino ou iremos todos para o buraco negro do inferno. As secas, as inundações decorrentes das chuvas torrenciais, a recorrência dos ciclones, tornados e afins são a advertência definitiva para aqueles que insistem em se opor às tentativas de colaborar com o meio ambiente.
O recado está dado. Trabalhar para amenizar os efeitos das mudanças climáticas é um dever de todo habitante da Terra, particularmente do Brasil, onde estão localizados o maior curso d’água do e a maior planície alagada contínua do Planeta. Falo da importância e do peso ambiental dos rios da Amazônia e do Pantanal, ambos ameaçados pelo maior predador do mundo: o homem. Se o objetivo final é a preservação da vida, não há que se dar razão aos negacionistas e suas teses corrosivas e sem qualquer vínculo com a realidade. A fumaça criminosa tende a engolir a todos.
O tempo é curto, mas ainda suficiente para que, juntos, façamos alguma coisa pela preservação do meio ambiente, consequentemente da vida. Especificamente no Brasil, a fauna e a flora parecem não ser mais do interesse do ser humano. Tanto que, no governo anterior, foram investidos milhões de reais e outros milhões em discursos vazios no desmonte de órgãos reconhecidos internacionalmente como prestadores de serviços fundamentais à manutenção ambiental. O Ibama, por exemplo, foi desmontado para efetivamente favorecer invasores e predadores, entre eles fazendeiros e garimpeiros ilegais.
Tudo em nome de um negacionismo barato, abjeto e desprovido de fundamentação. Exatamente como ocorreu com a pandemia de Covid-19, doença que, mesmo no período mais crítico, recebeu tratamento de “gripezinha” sem importância. Aliado ao desrespeito, à ganância e à insanidade, o descaso deu no que deu. Foram mais de 700 mil mortes e milhares de brasileiros até hoje com sintomas decorrentes da má conduta do governante e de seus aliados de então, com destaque para os representantes do agronegócio, os quais se achavam – e se acham – proprietários de espaços alheios. Daí o fogaréu.
Não cabe em meus neurônios o entendimento nonsense – quase insano – de que 1.886 queimadas em um único dia (a última sexta-feira) ocorreram por acaso. Também não entra em minha desavisada caixinha de pensamento a naturalidade da informação de que, na mesma data, os 48 focos simultâneos de incêndio em cidades distintas de São Paulo foram obra da casualidade. Posso ser burro e perseguidor de quem não tolero, mas não sou tapado para engolir essa simultaneidade como coincidências da Mãe Natureza.
Obviamente que o cenário de devastação teve roteiro e falas dirigidas por quem é do ramo da desconstrução política e econômica do país. Sem medo de errar, repito que não há necessidade de desmatar ou queimar para produzir. O Brasil é grande demais. Nele cabem, com folga, o agronegócio, os preocupados com o meio ambiente, os que desejam o próprio mal, os controladores do fogo inimigo e, principalmente, o povo que pensa, pensa, mas não consegue entender por que os interesses de alguns podem comprometer a sobrevivência de milhões.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978