O nome de batismo é Luciano José de Souza. Atende por Nêgo. Nada de ‘vem cá, negrão’ ou ‘diz aí, preto, como andam as coisas?”. A dispensa desses dois adjetivos tem lá suas vantagens. Primeiro, aproxima o dono da barraca montada há 15 anos no litoral de Pernambuco, de uma clientela cada vez mais informal. De outro, evita gestos supostamente segregacionistas, caracterizados como racistas. E Luciano garante que Nêgo está de bom tamanho.
Dono de bar na praia de Itapuama, Nêgo, 45 anos, toca a vida com a companheira Fau. Ela, ressalte-se, não fica atrás de renomados chefs da gastronomia regional, nacional e mesmo internacional. Tanto que, dizem os clientes, a Barraca de Nêgo tem bebidas e petiscos de fazer inveja aos melhores bares e cafés da Rue Saint Honoré, em Paris.
Nêgo é uma figura singular. Como sabe que o dinheiro que entra no bolso é suado, se deixa fotografar – como na ocasião da conversa que gerou esta crônica – com uma garrafa de cerveja (Corona, dá pra ver no rótulo) fechada, que logo depois volta para o freezer, de onde sairá estupidamente gelada para a mesa de um potencial cliente.
Quando cito Saint Honoré, é uma comparação estabelecendo uma ponte entre a simplicidade e autenticidade do bar de praia com a sofisticação dos bares parisienses, destacando que a experiência, o charme e a essência do que realmente torna um bar especial não dependem necessariamente de sua localização ou luxo, mas sim da atmosfera, do acolhimento e do caráter único que ele oferece.
A escolha de “Nêgo” como personagem central deste texto sugere um reconhecimento da cultura local, das tradições e do calor humano presentes nos bares de praia brasileiros, que poderiam encantar até mesmo os frequentadores mais exigentes das ruas sofisticadas da capital francesa. Não se busca, portanto, apenas valorizar a cultura e a hospitalidade brasileiras, mas também provocar uma reflexão sobre o que realmente importa na experiência de estar em um bar: a autenticidade e a conexão humana.
É fácil imaginar a cena: Nêgo, bronzeado pelo sol pernambucano, trajando uma camisa leve e um sorriso aberto, administrando uma barraca de praia nas areias douradas de Itapuama. O bar é simples, mas acolhedor, com algumas mesas fornecidas por fabricantes de cervejas e outras de madeira rústica. Há ainda guarda-sóis coloridos e uma brisa constante vinda do mar, que mistura o cheiro de maresia com o aroma de frutos do mar frescos sendo preparados na hora.
Nesse cenário, Nêgo é mais do que um comerciante. Ele é um anfitrião, um contador de histórias, alguém que conhece cada cliente pelo nome e sabe exatamente como agradá-los, seja com uma dose de uísque, uma caipirinha gelada, um peixe grelhado ou uma conversa descontraída e as ondas do mar.
Se transportarmos essa cena para a Rue Saint Honoré, um dos endereços mais chiques de Paris, Nêgo, com sua autenticidade e charme natural, teria lugar garantido entre os grandes bares da cidade. Ali, onde a sofisticação é a norma, onde as vitrines exibem os últimos lançamentos das grandes grifes e os cafés exalam um ar de elegância, esse rapaz-avô se sentiria em casa.
A barraca dele, com toda a sua simplicidade, seria um sopro de ar fresco no meio do luxo e do formalismo. Paris, com sua tradição de bistrôs e brasseries, certamente acolheria o jeito despretensioso e ao mesmo tempo cativante de Nêgo, onde o atendimento é pessoal e o ambiente é uma extensão da casa de cada cliente.
Os parisienses, tão acostumados ao requinte, talvez se surpreendessem com a informalidade de Nêgo, mas logo se renderiam ao seu carisma. Chego a imaginá-los sentados em cadeiras de praia, bebendo uma caipirinha ao som de um forró tocando ao fundo, enquanto Nêgo, com sua habilidade única de criar conexões, faz cada um se sentir especial.
No fim das contas, Nêgo provaria que a hospitalidade e o calor humano não dependem de luxos ou formalidades. Em qualquer lugar do mundo, seja nas praias de Pernambuco ou nas ruas de Paris, um bom anfitrião é aquele que sabe acolher com o coração, e nisso, Nêgo seria imbatível.
Paris pode até ter seus cafés históricos e seus chefs renomados, mas, com certeza, haveria uma nova atração na Rue Saint Honoré: o Bar de Nêgo, onde cada cliente sairia não só satisfeito, mas também com uma história para contar e um sorriso no rosto. Tudo isso regado aos bolinhos de peixe, charque, carne de sol e outras iguarias que a esposa Fau sabe preparar com receitas sofisticadas, de sabores inigualáveis. A propósito, a pedida para este fim de semana é uma cioba frita. Quem chegar cedo, garante uma mesa.