O empresário Nelson Piquet, ex-piloto de Fórmula Um, viveu momentos de constrangimento, em determinada situação, e de alívio, logo em seguida. Tudo aconteceu quando foi aconselhado por amigos a fazer exames clínicos no Hospital Santa Lúcia, de Brasília, cidade onde mora.
Piquet, embora com saúde para dar e vender, aceitou a sugestão. Mas, ao se aproximar da porta da entrada principal do hospital, foi surpreendido por ratos. O ex-piloto deu meia volta, entrou no carro e disparou pela Avenida W-3 Sul em direção ao seu escritório, na mesma via.
Dias depois, já em outro hospital, o alívio. Ao desistir do Santa Lúcia, Nelson Piquet escapou de ser contaminado pela bactéria KPC, que infestou outros centros médicos da capital da República.
Ao tomar conhecimento dessa história, contada em detalhes em rodas de amigos de Piquet, uma equipe de repórteres de Notibras começou a investigar o que acontecia dentro e fora do Santa Lúcia, conhecido como um hospital-referência em Brasília.
O que se descobriu é que nos corredores daquele hospital privado, está germinando o mais novo escândalo da saúde no Distrito Federal. Dessa vez, porém, o caso não envolve nenhum estabelecimento da rede pública, onde, admite o próprio secretário João Batista de Sousa, instalou-se o caos.
No caso do Santa Lúcia, capitaneado em sua parte de infraestrutura por um engenheiro que prefere ser apelidado de Marcão, o hospital acumula inconformidades e nítidas violações da legislação aplicável ao setor.
Administradores hospitalares admitem que algumas anomalias identificadas, tendem a resultar em processos criminais contra seu presidente José Leal e o vice-presidente Rafael Leal. As investigações, claro, também devem chegar a Marcão.
Quem conhece o Santa Lúcia por dentro – e seus dirigentes por fora – admite que havia, no passado, certo esforço em se corrigir e mitigar os problemas. Entretanto, após uma reestruturação gerencial, as ações propostas foram simplesmente abandonadas. Em consequência, os principais defensores do respeito às normas foram desligados ou rebaixados de suas funções.
Para ilustrar o quadro do Santa Lúcia, basta dizer que, de maneira mais específica, o hospital não dispõe de uma Central de Material Esterilizado. A ausência de uma CME também é observada no Prontonorte, outro estabelecimento médico-hospitalar da rede comandada por José Leal e seu filho Rafael. Ou seja, não tem como esterilizar a contento equipamentos e vestuário médico, em clara violação das normas sanitárias.
Recentemente, a diretoria do Santa Lúcia determinou a demolição do necrotério, sem prévia autorização da Subsecretaria de Vigilância Sanitária do Governo de Brasília. Um novo ‘depósito’ de corpos foi construído no segundo subsolo, e também sem a apresentação de projeto, avaliação ou autorização da Vigilância Sanitária. E mais uma vez a lei foi burlada.
Entretanto, fosse apenas o necrotério e a ausência da CME, talvez os pacientes tivessem motivo para maior tranquilidade. Contudo, a verdade é que até mesmo as Unidades de Terapia Intensiva desrespeitam as normas sanitárias. Médicos e enfermeiros que preferem não se identificar asseguram que em alguns casos inexistem projetos aprovados na Vigilância Sanitária e a consequente autorização de operação. Um exemplo seria a UTI A, onde casos da bactéria KPC foram diagnosticados recentemente.
Outra nítida evidência de descaso e descumprimento de normas, e do bom senso, está na UTI C, onde a porta da saída de emergência está localizada dentro da Unidade de Terapia Intensiva, sem controle algum de acesso. A escadaria pode ser facilmente acessada por qualquer pessoa que entre no Bloco C, que também não possui controle.
Funcionários, médicos e prestadores de serviços usam essa saída de emergência para acessar o andar da UTI, jogando por terra, consequentemente, os controles de higienização, desrespeitando completamente a privacidade dos pacientes. Para piorar o quadro, é assustador saber que essa falha permanece, mesmo após os casos de KPC da UTI A.
Como diz um velho amigo de Nelson Piquet, o ex-piloto, ao dar meia volta, desistindo de um pit stop no Hospital Santa Lúcia, economizou duas orações. Uma ao entrar, e outra, para sair – vivo.
Felipe Meirelles e Ricardo Coimbra