Na primeira metade de década de 90, fui convocado à sala de Ari Cunha, então editor-chefe do Correio Braziliense. Como editor de Política, fui orientado a preparar matéria sobre a assiduidade dos 24 deputados na Câmara Legislativa. Dois dias depois, o ‘Correio‘ estampava em sua capa uma ilustração (creio que da lavra do Racsow ou do Siroba) onde os parlamentares apareciam acorrentados pelos pés, presos às bancadas do Plenário. A imagem interpretava, assim, o texto sobre a ausência dos distritais no local de trabalho.
Na época, Brasília vivia a efervescência de uma capital que lograra a autonomia política. E Chico Buarque fazia sucesso, com Vai Trabalhar, Vagabundo, de 10 anos antes, aparecendo no topo das 10 músicas mais tocadas e cantadas. De lá para cá se passaram quase 30 anos. Mas os deputados distritais não cresceram, enquanto representantes do povo. Continuam os mesmos, como os cabelos cada vez mais grisalhos do eleitor que não tem a quem recorrer.
Para retratar a situação da Câmara Legislativa, a música de Chico continua atual. “Vai trabalhar, vagabundo/Vai trabalhar, criatura”. Só para lembrar, Deus permite a todo mundo uma loucura. Mas daí fazer dessa insanidade um jeito de ganhar dinheiro sem produzir, vai uma grande distância.
Os deputados distritais passam o domingo em familia, fazem da segunda-feira uma beleza e embarcam com alegria, pelo resto da semana, na correnteza. Eles preparam os documentos para receberem a verba indenizatória, que custa 7 milhões de reais ao bolso do contribuinte. Para isso não perdem nenhum momento. Mas, sem coração, perdem a razão. E há aqueles mais afoitos, que sorrateiros, não esquecem a mulata ou o bilhar. E não apertam a gravata que sufoca e enforca o trabalhador sério.
Já foi dito que os distritais se entregam a orgias. Não trabalham, se estragam. Dormem no ponto e enganam o povo com o conto da loteria, porque eleger um sério, é como tirar a sorte grande. Se corrompem, são corrompidos. E gastam as economias da sociedade. Não têm cuidado com o viaduto, e gastam com avião. Quando é para viajar, não perdem nem um minuto. Mas perdem a razão.
Os deputados distritais não pensam no futuro do povo. No escuro vivem, onde tentam pensar como desenvolver novas artimanhas. Estragaram a Câmara, que devia, por lei, ter sessões ordinariamente de 1º de fevereiro a 30 de junho, e de 1º de agosto a 15 de dezembro.
Sessões ordinárias. Atos ordinários?
Chico Buarque nunca esteve tão presente. Vale lembrar que é hora de cantar. Vai trabalhar, vagabundo. Ou vão.