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Dia corrido

Nem tédio nem cigarro; Zé vai morrer trabalhando

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Joana d'Darc

José era perseguido por duas compulsões, mas já havia tido outras. Dessa forma, restaram apenas o trabalho e o cigarro e, até onde se tem notícia, não é certo qual se faz mais presente.

Perto de completar 72 anos, quase todos muito bem vividos, o homem queria porque queria esticar ao máximo seu dia. Por isso, acabou por criar horários esdrúxulos para trabalhar. Dormia quase religiosamente às 20h quando dava, o que era praticamente nunca.

No entanto, era certo que, já às 5h30, encontrava-se aceso como seus inúmeros cigarros para começar a labutar em seu computador. Daí em diante, entre uma tragada e outra, percorria as horas tentando ser mais rápido do que o tique-taque do relógio pendurado na parede. De gosto duvidoso, alguém poderia dizer. Todavia, uma relíquia, por sinal, adquirida pela vultosa quantia de 20 mangos num camelô da praça do Relógio, em Taguatinga.

Além do trabalho e do cigarro, José possuía dois mimos, que, outrora, também tiveram lugar de compulsão. Hoje, entretanto, eram apenas momentos de lazer. Seja como for, serviam de válvula de escape para esse ser humano, às vezes mais ser do que humano, mas, vez ou outra, também o contrário.

Um desses regalos era a Fórmula 1, que o gajo assistia desde os tempos em que os pilotos aceleravam as suas baratinhas. “Não tô pra ninguém!”, dizia com aquela voz carregada de alcatrão. José, cinzeiro ao lado, refestelado que nem menino diante de pote de sorvete, esparramava-se no confortável sofá para assistir aquele festival de sonoridades mecânicas na enorme televisão na sala. Um cinema!

O segundo mimo era o xadrez. José, que gritava aos quatro cantos que havia sido campeão desse esporte olímpico, conheceu, por esses tempos, um adversário à altura. Para falar a verdade, esse competidor possui nome e sobrenome. Um tal André Montanha, que, vez ou outra, tem aplicado uma série de reveses ao nosso herói.

Não obstante tais acontecimentos, reservo-me o direito de terminar essa história com um acontecimento, que, soube por fontes fidedignas, aconteceu ontem. Sim, ontem mesmo, dia 11/10/2023. Quem me disse e como fiquei sabendo, isso é segredo e, obviamente, segredos devem ser guardados a sete chaves. Mas vá lá! Deixemos essas quimeras de lado e vamos aos fatos, que, pleonasticamente, são verídicos.

José chegou ao seu amplo apartamento em Águas Claras. Retirou os sapatos e, sem forças para atirá-los longe, os deixou onde caíram. Pegou o maço no bolso da camisa e sacou um cigarro. Em seguida, pegou o isqueiro e, com um giro mágico, fez o fogo.

Tudo parecia dentro dos conformes, até que o homem soltou um baita palavrão, que, obviamente, não direi qual foi, mesmo porque algum leitor poderia ficar constrangido e parar por aqui mesmo a sua, espero, agradável leitura. Mas posso falar o motivo, a causa, a motivação, o gerador e o porquê daquele turpilóquio. Em vez de colocar o cigarro na boca e depositar o maço sobre o sofá, José fez justamente o contrário. O resultado é que quase ateou fogo na barba.

Quem me disse isso? Reservo-me o direito de manter em sigilo as minhas fontes. Ah, logo após o ocorrido, o próprio José me telefonou e me contou detalhadamente. Ainda por cima, me mandou essa: “Edu, pela primeira vez na vida, me senti um velho!”

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