O Poder Judiciário, que dividiu por muito tempo com as Forças Armadas a condição de instituição mais respeitada pela sociedade, já não está tão assim nas graças do povo. O vazamento e divulgação de conversas entre magistrados e membros do Ministério Público tem colocado muita gente contra a parede. É uma lista que vai de juízes a ministros do Supremo Tribunal Federal.
Mas há outras conversas, ainda guardadas a sete chaves, que, se divulgadas, jogariam a justiça definitivamente na lama. Nesse caso específico, sem vinculações com a Lava Jato, Rachadinhas, Mensalão, Petrolão e outras questões. O foco em discussão é o crescente nepotismo, tema sobre o qual o Conselho Nacional de Justiça tem se debruçado sem, contudo, chegar a uma conclusão.
A situação atual, na avaliação de juristas, pode riscar do mapa a famosa tese segundo a qual a Justiça tarda, mas não falha. O temor é o de que falhe. E a hora, como diria o Barão de Itararé, é de desfazer os nós que fazem o Brasil andar para trás. Os próximos oito dias – desta sexta, 26, ao próximo dia 6 – serão decisivos para o CNJ mostrar que a onda de moralidade existe e veio para ficar. O momento, portanto, é de saber se o Conselho vai bloquear o nepotismo ou dar o mau exemplo da torneira aberta.
A título de recordação, vale pontuar que a Rede Pelicano Brasil de Direitos Humanos denunciou o caso da interina da 1º zona de registro de imóveis de Caxias do Sul, Mariângela Rocha Nunes, indicada por Ivana Rosário de Castilhos, filha do antigo titular. A defesa apresentada por Mariângela Rocha Nunes é confusa, conforme relata o voto proferido pela conselheira Candice Lavocat Jardim:
“[…]Os requeridos, por sua vez, destacaram que a substituta mais antiga da serventia, na data de vacância, possuía vínculo de parentesco com o antigo titular e, por isso, com a edição do Provimento CN 77, sua nomeação na condição de interina foi tornada sem efeito. Assinalaram que a Sra. MARIANGELA ROCHA NUNES era empregada do cartório e exerceu a substituição em diversas oportunidades.”
O caso em julgamento levou a uma série de questionamentos aos conselheiros do CNJ. Há pontos que precisam ser esclarecidos, a saber:
→Se existia a obrigatoriedade de esgotar a lista de substitutos ou de escreventes mais antigos que tenham exercido a substituição em períodos esporádicos, antes de seguir o Provimento CNJ 77/2018, então, como fica a situação dos interinos que tiveram cessada a nomeação com base e fundamento (teoria dos motivos determinantes) na aplicação do Provimento CNJ n. 77/2018? Eles serão reintegrados ou reconduzidos?
→Os atuais interinos nomeados com base no Provimento CNJ n. 77/2018, serão destituídos para seguir a ordem de nomeação estabelecida neste procedimento de controle administrativo?
→Cabe pedido de indenização por danos materiais e morais por parte de interinos que perderam a função com base no Provimento CNJ 77/2018?
→Será comunicado aos Tribunais dos Estados para anularem as nomeações de interinos com base na ordem que está sendo estabelecida neste procedimento de controle administrativo?
→Será editado algum ato normativo estabelecendo uma nova ordem preferencial de nomeações dispondo sobre a figura do substituto mais antigo do interino que deve ser nomeado em detrimento de delegatário concursado?
→O Provimento CNJ n. 77/2018, será alterado com base na decisão que está sendo elaborada neste procedimento de controle administrativo?
→Poderia o Conselho Nacional de Justiça estender a aplicação da regra do nepotismo ao serviço extrajudicial através de Provimento? Não seria necessário uma lei ordinária?
O caso é polêmico. O Tribunal de Justiça de Pernambuco, em uma das denúncias apresentadas pela Rede envolvendo a interina de Camaragibe, afastou os efeitos do Provimento CNJ 77/2018, fundamentando a decisão no fato de que o Conselho Nacional de Justiça é um órgão meramente administrativo.
Da mesma forma, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais concedeu liminar a diversos interinos que fundamentaram o seu pedido, também, com base no fato de que não cabe ao Conselho Nacional de Justiça atuar como legislador positivo e o caso de nepotismo deveriam ser tratados em lei ordinária a ser editada pelo poder de iniciativa do Poder Judiciário.
A situação é complexa e o Provimento CNJ n. 77/2018, como bem disse o conselheiro Rubens Canuto, foi editado com a finalidade de estabelecer critérios objetivos quanto a designação de interinos para responderem pelos serviços de notas e de registros vagos.
Canuto pontua que esse ato normativo, “em atenção aos princípios da moralidade, da impessoalidade e da eficiência, entre outros, criou uma ordem preferencial para tais designações”. Essa ordem preferencial, com o julgamento do caso de Caxias do Sul, será “quebrada” e o Provimento CNJ 77/2018, terá que passar por alterações, ou então, ser revogado.
Com relação ao julgamento do caso, o conselheiro Mário Augusto Figueiredo de Lacerda Guerreiro votou contra Candice Lavocat Jardim. Para isso, fundamentou seu voto no seguinte argumento:
“[…]A situação do interino não concursado é excepcionalíssima e admissível tão somente na absoluta impossibilidade de que algum delegatário concursado possa assumir a função, ainda que em cumulação provisória. Apenas nessa hipótese extremamente residual é que se admite essa forma não republicana de exercício de função pública.”
Republicano ou não, é preciso bater na tecla e lembrar que o caso faz o Barão de Itararé querer sair do túmulo e colocar ordem na casa. Até porque, como ele dizia, “o Brasil é feito por nós. Está na hora de desatar esses nós”.