Pedro Antunes
No processo criativo tão particular de cada artista, Nina Becker é capaz de enxergar. Vê suas canções. São imagens, reflexos, pinceladas, objetos. Mais visual do que a palavra falada, ou cantada.
O que faz ao microfone é recriar, com as letras, as projeções que pipocam na cabeça. Seus discos contêm paleta de cores, como Azul e Vermelho, os dois álbuns de estreia da também cantora da Orquestra Imperial, lançados em 2010. Azul, frio, gelado, era minimal, silencioso. Vermelho, quente, era a síntese de sua feitura ao vivo, com banda e artista em um quarto a gravar.
Sete anos depois e mais dois álbuns, as cores são outras. As primárias azul e vermelha dão lugar ao tudo e ao nada. Ao preto e ao branco. Claridão e negrume, que se completam e sustentam a capa do novo trabalho de Nina.
Acrílico – cujo material é translúcido, sem cor – é uma resposta da artista carioca aos novos tempos. Quando o mundo ao redor dela é de extremos, não há zona cinzenta, ela se vira para a dualidade, sem maniqueísmos, porém.
“Aos poucos, sabe, tudo foi se tornando mais preto e branco aqui em casa”, diz Nina, ao telefone, do Rio, onde mora. As cores, conta ela, foram abandonando-a no guarda-roupa, na decoração, na estética do disco sucessor de Minhas Dolores, o álbum de três anos de idade, no qual ela se aventurava pela melancolia de Dolores Duran, cantora e compositora que se foi jovem demais, aos 29 anos.
Lançado na última sexta-feira, 6, Acrílico sai pela YB Music e foi viabilizado com o auxílio do edital Natura Musical. A apresentação de estreia em São Paulo – a capital do cinza, curiosamente –, ocorre na Casa Natura Musical, em Pinheiros, no dia 19 de outubro.
Em uma sequência de acontecimentos, Nina se viu com esse disco prestes a acontecer. Primeiro, recebeu um convite para uma peça publicitária musical para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro – ali, passou a pensar na estética sonora, nessa liberdade jazzística, algo de bossa nova com a leveza do samba. A sonoridade nascida nos anos 1950, quando as fotografias da época eram, vejam só, em preto e branco.
A partir dessa musicalidade encontrada, Nina sugeriu ao Canal Brasil que as filmagens programadas para ocorrer na turnê do disco Minhas Dolores se realizassem agora, com essa nova banda – formada por Pedro Sá (na guitarra), Alberto Continentino (contrabaixo), Tutty Moreno (bateria) e Rafael Vernet (no piano). O processo ainda está caminhando, sob a direção de Felipe Nepomuceno.
Por fim, chegou a inscrição do edital, já com o nome de Acrílico, também título da faixa de abertura, um diálogo bastante imagético sobre o material em si, numa metáfora do que se mostra inquebrável, mas, frágil, despedaça-se facilmente.
Construído com parcerias em todas as músicas – Kassin, Pedro Sá (ambos em Despertador), a escritora Natércia Pontes (Zebra Dálmata), Laura Erber (O Que Eu Não Sei), Thalma de Freitas (Aperta a Minha Mão), entre outros –, Acrílico tem apenas uma canção não coassinada por Nina, Caramelo da Nostalgia, de Negro Leo.
Sagaz, Nina conduz na voz, por muitas vezes melancólica, as cores das canções para mantê-las na mesma palheta. A exceção é O Seu Azul, com Rômulo Fróes, na qual ela soa apaixonada, mais quente do que distante. Amor é isso, afinal. Sair da rotina, são hormônios. Amor, para Nina, também é cor.