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Ninica vai de trem para Japeri em dia de redação

Ninica, do alto dos seus 10 anos, já se sentia dona de si, como se pudesse enfrentar o mundo sozinha, apesar de ainda possuir dentes de leite na boca, sempre pronta para um sorriso por conta das brincadeiras do pai, que, na verdade, ela só chamava de Pepito. Os dois, nessa época, moravam em Copacabana, bem ali na rua Ministro Viveiros de Castro, esquina com a Belfort Roxo.

A garota, no entanto, estudava em Madureira, bem ao lado da estação de trem. Por isso, ela caminhava com o Pepito até o metrô da Cardeal Arcoverde e, de lá, descia na Central do Brasil, onde pegava o trem para a escola. Uma rotina tão frequente, que ela poderia fazer aquilo de olhos fechados, caso não gostasse tanto de manter aqueles olhos enormes sobre tudo ao seu redor.

Não se sabe como aquilo aconteceu, mas aconteceu, como posso afirmar com a certeza de quem viveu aquele dia. Pois lá estavam aqueles dois, que passaram pela catraca rumo ao trem que os levaria para Madureira. Mal sentaram no banco do vagão, perceberam que, ao contrário de todos os dias anteriores, não havia viva alma dividindo o espaço com eles.

— Pepito, que sorte! Hoje o trem tá vazio.

— É mesmo, Ninica! E olha aquela gente toda ali naquele outro trem, parece até sardinha em lata.

— Pepito, a gente pegou o trem errado!

Os dois, ligeiros que nem cutia fugindo de jaguatirica, se levantaram, mas, antes que pudessem sair do vagão, eis que a porta se fechou bem na fuça dos dois. Em seguida, para piorar as coisas, o trem começou a andar e, não demorou, corria que nem cavalo de cinema. Pra que tanta pressa?

A Ninica leu a placa acima da porta automática e, para seu desespero, constatou que estavam a caminho de Japeri, município do estado do Rio de Janeiro. Que azar em dobro, ainda mais porque, naquela manhã, ela teria prova de redação. De redação!

— Ninica, calma, que daqui a pouco o trem vai parar em alguma estação.

Que nada! O danado não parava e, quando os dois viram que a estação de Madureira havia ficado para trás, a menina não sabia se ria ou se chorava. Quanto ao Pepito, tentava fingir que tudo daria certo no final, mas nem ele acreditava no próprio pensamento. Tanto é que, desanimado, sentou-se novamente no banco e colocou a filha no colo.

Já conformados com a situação, os dois perceberam que o trem estava parando e parou mesmo. Mas nada da porta se abrir. O Pepito, então, pegou a filha e a retirou do trem através da janela. Em seguida, ele jogou a mochila da escola para fora e, por fim, saiu.

— Pepito, Pepito, Pepito!

— O que foi, Ninica?

— O meu material!

O homem pensou que havia esquecido de algum material escolar dentro do vagão e já estava preparado para voltar para o vagão, mas a menina apontou para o chão, bem próximo ao trilho do trem.

— Ah, tá, Ninica! Vamos esperar o trem partir, que pego a sua mochila.

O trem, finalmente, partiu. O Pepito conseguiu recuperar a mochila intacta da filha. Em seguida, foram para o lado oposto da estação, de onde esperavam pegar outro trem. Esperaram apenas alguns minutos e, então, lá estava aquele amontoado de vagão unido. Mal entraram, os dois, praticamente em uníssono, buscaram informação com os passageiros.

— Este trem passa em Madureira?

— Sim.

— Mas para em Madureira?

— Sim.

E assim foi aquele dia, que ainda hoje é lembrado por pai e filha. Ah, já ia me esquecendo. A Ninica conseguiu chegar a tempo para a prova e, acredite, tirou dez. A professora adorou a criatividade da menina, que escreveu sobre o ocorrido naquela manhã. Que imaginação!

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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