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No bar do Jair, não como nem o jiló dos patriotas

Embora adore escrever sobre botecos e frases de botequim, não sou um adorador de bares. Frequento-os, mas apenas socialmente. Aprendi com o colega jornalista Aparício Torelly, o Barão de Itararé, que o fígado faz mal à bebida. Por isso, fujo dela quando estou dormindo. O problema é que a marvada me acorda e me arrasta sistematicamente para uma nova soneca. A verdade é que estou bebendo pouco, pois sempre me lembro de quantas bebi no dia anterior. Perdulário por natureza, de tudo o que ganhei na vida, 90% eu bebi. Os 10% restantes dei para o garçom.

Sei que nada sei, mas o pouco que sei aprendi com o sábio mestre dos parças Zeca Pagodinho, Dicró, Bezerra da Silva e Mussum, os três últimos já no reino dos céus. Refiro-me a Vinícius de Moraes, para quem a bebida vem de nossa ancestralidade. Profundo conhecedor dos destilados, mesmo acordado o poeta maior das noitadas de bossa nova confundia o amigo uísque com cachorro engarrafado. Por isso, depois de perder a infância e de abandonar a chata e controlada vida do Itamaraty, a primeira coisa que Vinícius pediu no internacional Bar Veloso, hoje Garota de Ipanema, foi uma mamadeira de Johnnie Walker 12 anos.

Menos radical, Pagodinho é amante do suco de cevada, preferencialmente gelado. Abstêmio quando está no soro, o pagodeiro de Xerém lembra uma caixa de isopor: é só encher de cerveja que a gente leva para qualquer lugar. Beberam e bebem. Por isso, estes e outros bebedores famosos permanecem como vinho, azeite ou amigo de infância. São eternos, ainda que tenham prazo de validade. Importante é o legado, as frases e os pensamentos autografados e emoldurados nas paredes das tabernas, tascas ou pubs do país.

Uma delas, de autoria do jornalista e cartunista Millôr Fernandes, revela que, de todas as taras sexuais, não existe nenhuma mais estranha do que a abstinência. Como não me abstenho nunca, discordo em parte do relator, na medida em que “não procuro alguém para me encontrar e sim para me perder”. Sou daqueles que, incorporando Vinícius, duvida que o amor seja infinito. Infinito talvez seja a capacidade de amar. Amante inveterado, “não quero mais esse negócio de você longe de mim”. Todavia, mais uma vez lembro do poeta para, antecipadamente, indagar sobre a pagadora do enterro e das flores caso eu morra de amor.

Condenado à esperança igualzinho o Brasil, tenho antipatia pelo Jair Messias desde que ele, a exemplo do Diabo, começou a comprar almas. Estava criada a sociedade consumista do bolsonarismo tirânico. Ainda bem que a alma enruga antes da pele. Por conta dessa constatação de Millôr, os bolsonaristas acabaram como um macaco que não deu certo. Pelo menos, o legado do Jair é inquestionavelmente honesto. Ou seja, a gente até pode desconfiar da admiração dos patriotas pela estranha figura do mito. O que não se questiona é o ódio que eles nutrem pelos antagonistas. O ódio é sempre sincero. Em resumo, “como são admiráveis as pessoas que não conhecemos bem”.

Partir dos bares e chegar a Jair não é de todo estranho. Afinal, ele é o protótipo daqueles companheiros de boteco, os quais admiramos porque não sabemos quem e como são. Após o terceiro trago juntos, não queremos mais conversar. É o malandro agulha, primo do pato, que nasce com os dedos colados para não usar aliança. É o tal que acha fácil passar a mulher para trás, mas tem dificuldade de passá-la adiante. São como os melhores amigos do Japão. Estão a 20 mil quilômetros de distância e quando estão acordadas eu estou dormindo. Esse tipo de “cliente” nem os donos de bares aguentam. Para eles, fiado só quando maiores de 90 anos e, mesmo assim, acompanhados dos pais. O resumo da ópera é simples: no bar em que o Jair degusta frango com farofa, eu não como nem o jiló dos patriotas.

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