Na vida há tempo para tudo. E nada é verdadeiramente imoral. Dar, ceder, colher, emprestar e alugar faz parte do cardápio dadivoso de cada um. Houve um tempo que, embora eu não acredite, Genésio dava 33. Dizem que Leonardo ainda dá 20. Enquanto isso, Jair ficou no 17 e depois subiu para 22. Lula nunca saiu do 13. Até agora, o recordista é o Boulos, com 50 tentativas. Apesar da correria tentadora, ele nadou, nadou e caiu duro na praia. De qualquer maneira, haja fôlego. Na minha humilde residença, desde menino, mal e porcamente alcanço o número 1 a cada 33 dias do mês. Às vezes, do ano.
Nada preocupante, considerando que eu de cá e você de lá somos nada vezes nada igual a nada. E daí se a delícia da vida é ter prazer nas coisas mais simples? Era o que dizia meu avô Aristarco Pederneira quando procurava – e não achava – minha avó Anastácia Pederneira na masmorra erótica. Por falar no verbo dar, cujo significado escorreito é pôr na possessão, isto é, tornar disponível, está escrito em todos os almanaques bíblicos que quem dá o que é seu não é desprezo. Aliás, também está escrito que quem dá aos outros empresta a Deus. Afinal, atrás do muro ou enrolado na Bandeira do Brasil, é dando que se recebe.
Quem me explicou tudo isso tintim por tintim, ou seja, nos mínimos detalhes, com minúcias, foi a irmã Dolores, a dona do bordel da rua de trás. E não precisou muito. A exemplo dos intelectuais, a sensualidade da representante da felicidade era toda cerebral. Por isso, precisou só de um tantinho de sabedoria para mostrar a nós, avaros fedelhos, o que era o créu. Não houve sequer necessidade do créu, créu, créu. Bastaram 11 segundos e meio e estava tudo na cabeça, nos olhos, na alma e na ponta da língua. Rainha da meninada do bairro, dona Dolores gentil e prazerosamente servia a todos. Particularmente, fui de uma semana e meia de amor aos 50 tons de cinza em 180 dias.
Ora ela dava sopa, ora dava bola e, dia após dia, nos dava colher de chá. Antes de continuar, é preciso esclarecer que nada era de graça. De modo a agradar à matrona, na prévia do bom combate cada guri tinha de cumprir uma tarefa diferente. Para uns, sobrava esfregar com o máximo vigor o escovão da jovem senhora. Outros penteavam as compridas madeixas da cadela da Dolores. Não sei se me entendem, mas sofrível era a obrigação dos mais raquíticos: a eles cabia cutucar a onça com a vara curta que tinham à disposição. A pior das tarefas ficava com os mais novos. Eles tinham de pagar para manter os fundos da feliz proprietária da casa de facilidade.
Depois de toda a trabalheira, era quase impossível os do modo gratuito, como eu, não jogar água fora da bacia. Frase usada pejorativamente como definição daqueles que solicitam, jogar água fora da bacia foi a forma que encontrei para dizer que, sem muito esforço, dona Dolores dava diariamente um banho de gato na gurizada desenxabida, enrabichada, insípida e desaborosa do bairro. Remexendo nas gavetas do passado, concluo que o aprendizado do tipo Mobral em braile com madame Dolores foi dos melhores. A partir dela, o bicho pegou. Com rabo ou sem rabo, caía na rede e virava sereia.
Vem desse tempo a máxima de que tempo é dinheiro e que todo prazer é erótico. Adepto da filosofia da desnecessidade de se apressar a respeito de coisas bonitas, normalmente relaxo e as aprecio. Resumindo a ópera, nunca dei nada nos sábados, nos domingos, tampouco nos feriados. Nos dias de semana, fazia e faço como Leonardo, o que ainda dá 20. Feliz daquele que teve uma infância com uma mestra que fazia a pipa voar. Sem esquecer do zumbido inquietante e dos atrativos de sinhá Dolores, a lembrança de hoje são os ensinamentos de Montesquieu, para quem a vantagem do amor sobre a libertinagem é a multiplicação dos prazeres. Como a melhor recordação da velhice é a juventude, desnecessário fechar os olhos para dizer que existem a beleza que excita, a que comove e a que satisfaz. Para mim, a melhor sempre será a última.
*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras