Rebeldes
No escurinho do cinema vai bem além de Rita Lee
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emO problema de Sheila era a autonomia. Não a dela, que exercia sem problemas, em sua plenitude – uma mulher de seu tempo, consciente de seu direito ao prazer. Mas a de partes estratégicas de seu corpo.
A começar pelos cabelos, negros e volumosos, que desciam até abaixo dos ombros. Por vezes eles pareciam se mover por si sós, obrigando-a a tocá-los, num jogo involuntário de sedução. Chegava a ser embaraçoso, quando ela estava conversando com um carinha nada a ver.
Sheila mantinha sob controle estrito os olhos, de uma bela tonalidade castanho-esverdeada. O nariz bem feito, por sua vez, era o pilatos do credo do seu corpo. Mas a boca…grande e bem torneada, com os lábios carnudos, era um convite ao pecado e à oralidade sob todas as variantes. Era a boca de uma fêmea que raras vezes dizia não. E o problema era este: mesmo quando ela estava decidida a dizer não, sua boca se recusava e se entreabria para um sim murmurado e sedutor. Era dessas bocas que só dizem sim, sem precisar de uma pedra falsa, um sonho de valsa, um cinema ou um botequim.
E os dedinhos, então! Não raro, em um cinema, eles ignoravam os frenéticos esforços de Sheila para contê-los e se moviam para a coxa da pessoa a seu lado, homem ou mulher, tanto fazia. Ela só queria assistir em paz ao filme, mas eles avançavam decididos para a cueca ou a calcinha da deliciada presa e iniciavam uma sessão de toques. Paralelamente, seus cinco outros dedos faziam o mesmo com ela própria. Sem controle das mãos, a jovem cedia docemente e se resignava a relaxar e gozar. O que em geral conseguia. O mesmo acontecia, diga-se, com o(a) parceiro(a) do escurinho do cinema.
Resta falar da bundinha. Quando ela voltava de ônibus da faculdade para casa, suas nádegas pareciam sentir o odor de machos no cio e rebolavam convidativamente. Eles estabeleciam contato e começavam a sarrá-la, enquanto o traseiro pecaminoso – nunca Sheila – se lançava para trás, levando-os à loucura.
Bem ou mal, Sheila aprendeu a coexistir com suas partes rebeldes, que jeito… Foi então que ela conheceu Leandro, boa pinta, barriga de tanquinho, sorriso malicioso e sedutor. A química entre os dois foi imediata, conversaram, flertaram, combinaram um jantar a dois no apartamento dela e despediram-se com um beijo arrebatador. Ela sentiu as pernas bambas.
Em casa, Sheila preparou uma salada leve e uns canapés, que os pratos principais seriam ele e ela. Depois se depilou, tomou um longo banho, passou um creme para sua pele ficar bem macia e borrifou um perfume inebriante atrás das orelhas, no pescoço, nos seios, no umbigo e adjacências. Vestiu-se para matar e esperou.
Minutos depois da chegada de Rodolfo, ela sentiu que as coisas estavam fugindo ao controle. Tocava os cabelos para lançá-los para trás ou para o lado num movimento sedutor, mas eles pareciam decididos a ficar imóveis, pesados como chumbo. Tentava sorrir, entreabrindo os lábios carnudos para beijos e outros prazeres orais, mas estes cerravam-se obstinadamente. Tudo piorou quando Rodolfo murmurou, com voz rouca; “Vamos pra cama…”. Ela ia disser “Vamos, tesão”, mas sua boca foi mais rápida e emitiu um sonoro NÃO! Frenética, ela fez que sim com a cabeça, tapou a boca com a mão esquerda e com a direita ergueu o polegar, para indicar concordância – e viu, horrorizada, este dedo unir-se ao indicador, formando um círculo para mandar o moço… ora, vocês sabem.
Desconcertado, já despido mas com a ereção diminuindo a cada momento, Rodolfo aproximou-se dela. Imprudência, pois as unhas dos dedinhos quase se cravaram no mastro a meia bomba. Pior, a boca abriu-se mostrando os dentes, que avançaram para tirá-lo do combate, pelo menos pelo resto da noite. Ele escapou da mordida mas tratou de se vestir e de sair do apartamento da moça, xingando-a de tudo quanto era palavrão.
Desde a noite da Rebelião, a vida sexual de Sheila ficou, se não mais divertida, mais emocionante. Ela nunca sabe o que vai rolar, se um moço será devidamente homenageado por seus lábios ou vai ser caçado a dente. alguém e com ela própria, no escuro do cinema, ou quando sua bundinha petulante desafia um desconhecido a sarrá-la, no aperto do busão.