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Saudosismo sem golpismo

No Faroeste caboclo, linda juventude vive a mais pura Alegria alegria brasileira

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Autor/Imagem:
Armando Cardoso* - Foto Divulgação

Tentando ficar longe do rame-rame político, tremi nas bases com o show antológico de um jovem senhor de cabelos encaracolados e de uma moçoila de madeixas embranquecidas pelo tempo. Antigos por conta dos anos que já viveram, mas jovens pelo vigor físico e pela força inalterada de suas vozes, Caetano Veloso (82) e Maria Betânia (79) mostraram porque permanecem idolatrados por uma geração que viveu grandes momentos e que ainda transborda de alegria, entusiasmo e muita, muita vontade de viver. É a linda juventude transviada e psicodélica dos anos 50, 60 e um pouquinho de 70. Faço parte delas. Como todos eles, só não sou imorrível porque não fica bem ficar mal com Deus. Aos que não viveram essa época, Aquele abraço.

Capaz, produtivo, independente, desfanatizado, bem relacionado com a morte, pentacampeão da Copa do Brasil e sexualmente ativo, penso e ajo como os ícones da música e da teledramaturgia que ainda vivem. Mesmo contra um amontoado de fariseus que se acham donos do mundo, eles fizeram, fazem e farão sempre a diferença. Debaixo dos caracóis dos seus cabelos, em cena são maiores, eternos, embora fisicamente mortais. Portanto, às favas com o etarismo e com os jovens que invejam a vida dos mais velhos, a maioria saudosista por natureza e por definição. A diferença é que nosso saudosismo tem causa. Afinal, como é bom lembrar de quem teve, tem e terá sempre valor, mesmo estando em outra galáxia.

Dia desses, revendo um programa sobre o tropicalismo, me deparei com a força cultural, musical e humana de seres como Gilberto Gil (82), Roberto Carlos (83), Milton Nascimento (82), Othon Bastos (94), Fernanda Montenegro (95), Djavan (75), Geraldo Vandré (89), Chico Buarque (80), Capinam (83), Tom Zé (88), Jards Macalé (81) e os falecidos Wilson Simonal, Gal Costa, Elis Regina, Erasmo Carlos, Gonzaguinha, Jair Rodrigues, Waly Salomão, Rita Lee e Paulo Autran. No palco, no auditório e nos festivais, os caras brincavam com as palavras. Diferente de hoje, na plateia não eram permitidos chororôs ensandecidos, histeria desenfreada de fãs, tampouco tentativas vãs de suicídio.

A memória realmente é uma ilha de edição. Por isso, apesar de estar tão cansado, não há como esquecer dos bons e justos aplausos e ovações sinceras com duração de até 15 minutos. Não se discutia gêneros. Os fãs eram impactados pela qualidade do que se via e ouvia. No Domingo no parque, era pura Alegria alegria. De vem em quando alguém explodia o coração viajando ao som melodioso da incansável As canções que você fez pra mim. O tempo passou, mas os mais doces dos bárbaros até hoje brincam e vivem movidos pela Cajuína. Negue quem nunca fez uma Oração ao tempo ou nunca sussurrou Você não me ensinou a te esquecer. Tua presença morena me lembra Um índio e me faz circular novamente no Expresso 2222 à procura do Super Homem. Eis a razão pela qual me recuso a embarcar no Bonde do Tigrão para assistir a facada na Rita.

A ordem natural é esquecer a corrida desembestada da Eguinha pocotó e a Melô do Tchan. Pra não dizer que não falei de flores, vale registrar que o tropicalismo foi um movimento cultural de contracultura dos anos 60. Com canções irreverentes e remelexos alegóricos, a Tropicália se manifestou principalmente na música, mas também teve representantes no teatro, no cinema e nas artes plásticas. A ideia inicial era se afastar do intelectualismo da Bossa Nova e das guitarras estridentes da Jovem Guarda. Foram os tropicalistas inovadores que mudaram não somente a MPB. Suas ideias renovaram os ares da cultura em geral.

Estava inaugurada a fase do É proibido proibir. “De tanto ver triunfar as nulidades de hoje, nutro grandes esperanças” por aquele dia em que Toda menina baiana poderá Andar com fé em busca da Meia lua inteira. E aí, sob o Céu de Santo Amaro, quem sabe não consigamos chegar à Sampa sem passar pela mesmice do Faroeste caboclo e do golpismo do Planalto Central do Brasil. Com um pouco de sorte, podemos descobrir Que país é esse, no qual ninguém respeita a Constituição, caga para os idosos e esquece com a serenidade de um leão no cio daqueles que, fugindo do Carcará que pega mata e come, só não perderam a vida pelo Brasil porque, no melhor estilo It’s a long way, optaram pela London, London. Vida longa aos ícones que ainda nos permite viajar sem sentir dor.

*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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