Sucessão e poder
No jogo político, o amor pela traição tem o mesmo peso do ódio pelo traidor
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emA imagem do deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara Federal, é de um ser abstrato, mas de ideias, concepções, conceitos e pensamentos pra lá de concretos. Hoje, ele pode reivindicar para si o protagonismo da comédia Trair e coçar é só começar, escrita por Marcos Caruso e que vem sendo encenada desde 1986. Craque nos acordos de bastidores e, junto de outros membros do Centrão, no emparedamento de governos sem base sólida na Casa, o atual czar das Alagoas é um homem com poderes até o topo do pote. Como todo poderoso, Lira sabe que, quando a proposta é vencer a qualquer preço, a suposta honestidade precisa ser jogada no lixo. É dessa forma que o jogador será sempre um vencedor.
Em outras palavras, o político que não faz o jogo sujo de interesses pode contar seus dias no exercício do poder político. No entanto, as voltas da vida costumam ferir com ferro aqueles que com ferro um dia feriram. Mestre na arte de negociar votos contra ou a favor de alguém ou de alguma coisa, Arthur Lira jogou fichas de todos os matizes para garantir, em fevereiro de 2025, a vitória de um aliado de copa e cozinha na sucessão da Casa. A intenção é clara até para um menino do Maternal II: deixar o cargo, mas manter o poder.
Como não há mágica para se produzir uma omelete sem quebrar os ovos, o parlamentar alagoano teve de trair. E traiu quem lhe demonstrava ser o melhor e mais fiel dos “amigos” congressistas. Refiro-me ao líder do União Brasil, deputado Elmar Nascimento (BA), trocado em uma madrugada sem chuva pelo líder do Republicanos, deputado Hugo Mota (PB). Um pote até aqui de mágoa, Elmar parece ter se convencido antecipadamente da derrota. Jamais da traição. Não o conheço, mas duvido que, igual a todos os que passaram por isso, ele não ache que o traído de hoje é o traidor de amanhã.
Marinheiros de muitas viagens, tanto Arthur Lira quanto Elmar Nascimento sabem que a proporção do amor dos políticos pela traição tem o mesmo peso do ódio pelo traidor. Vale dizer que, no jogo do poder, as feridas que não cicatrizam voltam a sangrar quando menos se espera e comumente ao som de palavras. É um jogo de xadrez. O rei ganha, ganha e ganha até o dia em que leva xeque-mate. Nesse dia ele perceberá que seu pior inimigo não é, nunca foi e nunca será um de seus correligionários ou um de seus companheiros de partido. Ele será sempre sua mente, pois ela conhece todas as suas fraquezas.
Quanto ao poder, saibamos todos que, além de doentio e efêmero, ele pode ser o pior dos cânceres. Quem não se lembra do gaúcho Ibsen Pinheiro, cacique do antigo PMDB. Não me lembro de ter conhecido um presidente da Câmara tão poderoso como ele desde o fim dos anos 90. Só Ulysses Guimarães, um ícone do período. Por isso, é uma brincadeira retroagir até seu tempo. Só para citar alguns, alguém tem notícias de Inocêncio Oliveira, de Aécio Neves, Aldo Rebelo, João Paulo Cunha, Marco Maia, Arlindo Chinaglia, Henrique Eduardo Alves, Michel Temer, Efraim de Moraes, Waldir Maranhão e Rodrigo Maia?
Talvez saibam de Eduardo Cunha, o ex-todo poderoso que acabou atolado em um mar de lama. Os demais sumiram na poeira. Seus poderes acabaram tão rápido como a confiança dos eleitores. Aliás, confiança é como um castelo de areia: fácil de destruir, difícil de reconstruir. Bola da vez, Hugo Motta virou o preferido de Arthur Lira porque, segundo o próprio Lira, “ele respeita o plenário e cumpre a palavra empenhada nas negociações políticas”. Se o respeito do afilhado for um pouquinho parecido com o do padrinho, o Brasil, o presidente da República e os oposicionistas estarão em maus lençóis. É pagar para ver.
*Misael Igreja, jornalista aposentado, é o mais novo analista político de Notibras