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No picadeiro da vida, o melhor é aderir aos trocadalhos dos trocadilhos

Dia desses usei alguns trocadilhos para tentar explicar o circo político. Após rápida pesquisa, descobri que há vida fora do picadeiro da balbúrdia com dinheiro público. Apesar do corre-corre em busca do pão de cada dia, a vida do trabalhador brasileiro é muito mais valorosa, criativa, prazerosa e normalmente mais engraçada. Ele pode até ter medo da mulher Cláudia, mas não foge da raia. Forte como um touro bravio, só acorda tarde aos domingos para odiar ainda mais o Edir Macedo. É o dia em que o cabra esquece a grosseria dos vizinhos para ouvir a Fernanda Gentil.

Quando bate o desânimo, o sujeito olha para o horizonte, visualiza os boletos do fim do mês e corre atrás porque do lado direito vem gente. O esquerdo está protegido pela aba do mesmo boné que o Cazuza. Mesmo no trem lotado é nessas ocasiões que todo trabalhador se vangloria de ser da cidade. No entanto, chora ao lembrar que a Vanessa é da Mata. Rico de espírito, adora uma capa. Coloca capa no celular, no sofá, na TV, no fogão e, quando tem, na máquina de lavar. Ele só esquece de encapar o que o faz produzir tantos filhos.

Qualquer cidadão que se encaixe nesse perfil odeia a academia, mas não reclama que o Tim Maia. Conheço um que tem o apelido de martelo e veio de Rio Preto. Não perco a oportunidade de, quando o encontro, lembrá-lo que o Machado é de Assis. Traiçoeiro de berço, ele detesta quando digo que a Leandra é Leal. Pior é a gozação dos amigos sobre a utópica presença de seu instrutor de direção subindo para o forro de gesso. Na verdade, a referência sacana é ao Frank Aguiar no forró do Gerson. É o mesmo que confundir a escola de Samba Águia de Ouro com a alfaiataria Agúia de Ôro.

Negar um vale ou dizer não para um trabalhador é tarefa das mais difíceis. Ao ouvir alguém dizer que não fará o que pede, ele responde na lata: A Beth Faria! O malandro tem resposta para tudo. Se digo que adoro banana, ele retruca: A Marília Pera. O dia que lhe contei que meu celular foi roubado, ouvi que o da Rita Furtado. Como os desse tipo são assemelhados, optei por não me indispor. Pelo contrário. Decidi aderir ao trocadalho dos trocadilhos para manter a amizade de pé, embora deitada. Foi a pior decisão.

De cara arrumei dois inimigos quando anunciei que prefiro usar telefone fixo. Já o Edson Celulari. Pior foi informar a um deles que eu tinha um cachorro e o Paulo Coelho. Mais duas inimizades. Rompi com os três últimos quando, com toda seriedade do mundo, revelei que eu tinha bom paladar, mas o Rodrigo Faro. Não tive sequer tempo de mostrá-los que, embora não seja engenheiro, eu prefiro túneis e o Marcos Pontes. Certamente teria apanhado se tivesse dito que gosto de pegar girafa e o Eriberto Leão e que adoro cereja e Camila Pitanga. Hoje, depois de um fanático período de gripezinha importada da China, é sempre bom ter alguém que zele e olhe por nós.

Como tenho medo do choque de ideologia, me limito a pedir que o Celso Portiolli. Passada a fase nebulosa em que boa parte dos brasileiros queria guerra, me associei de corpo e alma a Bárbara Paz. Mesmo em outra sintonia, recusei um convite para o cinema. Não adiantou, pois a Cássia Kiss. De bem com a vida, estou me dedicando exclusivamente aos afazeres do lar. Enquanto eu lavo pratos, a Glória Pires. Meus dois únicos conflitos são simbólicos. O primeiro é que amo uma sambinha, mas o que fazer se o Zeca Pagodinho. Por fim, adoro casa pequena, mas respeito o gosto do Walter Casagrande.

*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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