Para quem acha que a língua portuguesa é igual nos cinco países lusófonos está redondamente enganado. Morar em Portugal e falar como no Brasil não é uma realidade para nós. O latim e o grego estão muito presentes na língua mãe. Daí, algumas expressões e gírias soarem bem diferentes para os brasileiros, mesmo para aqueles que se acham donos de um português escorreito e acima de qualquer suspeita. É quando o gajo tupiniquim se estrepa ou diariamente terá de descalçar uma bota, sinônimo de solucionar um problema, descascar um abacaxi, resolver uma treta.
Para nós, acostumados a furar filas onde elas estiverem, é sinal de encrenca nos mandar tomar no rabo da bicha. É assim que os portugueses dizem vá para o fim da fila. Já passei do tempo e não trabalho mais. Estou a encher chouriços, feito bife ou, se preferir, estou frito, enchendo linguiça. No palavreado mais rebuscado, eu não me aguento mais nas canetas, isto é, estou cansado. Apesar disso, de vez em quando tenho de ter lata (coragem), passar pela casa de banho (banheiro), apertar o autoclismo (descarga), botar a ganga (jeans) esticar o caparro (peitoril), tomar uma bica (cafezinho), oscular o puto (beijar o filho), atravessar a passadeira (faixa de pedestre), pegar o autocarro (ônibus), comprar duas durex (camisinhas), ajeitar a pila (bilau) para dar uma cambalhota.
Não! Não é aquela inocente acrobacia que me fazia aparecer bem para os canalhas (crianças). No Brasil, o vocábulo acaba sendo uma metáfora, pois remete a um ato sexual de curta duração, a transa que os mais novos chamam de uma de galo. Faz dois anos, estive com o credo na boca (com medo), mas, como tomei as cinco picas (injeções) recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, passei ao largo da Covid-19. Desconheço o dia de amanhã, mas creio estar bem longe de esticar o pernil (morrer).
Digo isso porque ainda consigo atar o atacador (amarrar o cadarço) sem a necessidade de amarrar os troncos (a barriga). Tenho consciência da proximidade da fase das mãos de aranha (pouca habilidade). Não dou mole para o azar. Minha alimentação é normalmente à base de um bom cacete (bisnaga). No dia a dia, me agarro à punheta de bacalhau (bacalhau cru conservado no azeite), acompanhado de grelos frescos (folhas de nabo). Para sobremesa, nada melhor do que porras recheadas (churros). Em Portugal, comer bem é se preparar para o entendimento de que o rabo é o pior de esfolar.
Não me entendam mal. Embora engiado como um chupa-chupa (pirulito), o meu ainda está inteiro. Na minha sebenta (apostila), a expressão significa tão somente que o fim de uma tarefa é a parte mais difícil. Brazuca de quatro costado e descendente direto de um portuga, sou de pouca parra (falador) e também não me considero um pentelho seco de velho (não valho nada). Pelo contrário. Semanalmente me reúno com a malta porreira (galera do bem) e, se possível, dou em casa uma queca (transar). Vez por outra, me ponho a girar com meus botões.
É nessa hora, bem longe das cricas (aquilo mesmo que você pensou), que me toco que envelheci, mas permaneço fixe (legal) para alguns piropos. Como nem tudo é o que parece, o tal piropo nada mais é do que o xaveco paulista ou a cantada carioca. Como D. Pedro I prometeu aos brasileiros que ficaria, juro a vocês que ainda estou a légua de dar o peido mestre (morrer).