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No Recife, Espinheiro no bairro era jardim florido

Durante uma longa viagem de carro, onde a única companhia era eu mesmo, fui brindado por uma playlist que montei sem nem perceber o quanto ela me representava. As músicas, muitas delas da década de 80, embalaram meus pensamentos enquanto me lembrava do dia 11 de abril de 1985. Para a maioria, esse dia não traz nenhuma memória especial, mas para mim, marcou o início da minha vida profissional. Aos 17 anos, recém-aprovado na faculdade de Direito de Pernambuco, comecei a trabalhar no saudoso Bandepe — o Banco do Estado de Pernambuco.

E você pode perguntar: o que a playlist tem a ver com isso? No início, eu também não via ligação, mas aos poucos me dei conta de que minha vida é, até hoje, marcada por aquelas músicas e pelas pessoas que moldaram quem eu sou.

Lembro perfeitamente da minha apresentação na pequena agência do Bandepe, no Shopping Espinheiro — um pequeno mall de bairro. Cheguei meio perdido, sem saber o que esperar, e me disseram que procurasse o gerente geral, Flávio Roberto Maciel Schetinni. Fui arrumado como um garoto de 17 anos que tinha acabado de passar no vestibular, ainda com o cabelo curto, resultado da promessa que fiz. Quando cheguei, Schetinni me olhou com um sorriso irônico e soltou uma daquelas frases que você nunca esquece: “Seu cabelo parece um pentelho de cu de urso!” Essa foi minha recepção! Eu esperava algo mais formal, mas ali entendi que aquele seria um lugar diferente. E estava certo.

Comecei sob a supervisão de Marcos Botelho, que dividia comigo uma mesa improvisada, composta de uma porta apoiada em dois bereaus. Ali datilografávamos balanços e balancetes, e a sensação era a mesma de estar em uma sala de aula, apertada, caótica, mas com uma energia incrível. A agência era pequena, mas cheia de vida, e logo se mudaria para um espaço maior na Rua da Hora.

Aquelas pessoas e aquele ambiente eram únicos. Schetinni, com seu jeito irreverente e parecido com o jeito italiano do ator Fúlvio Stefanini, me ensinou desde cedo que o trabalho pode ser leve e, ao mesmo tempo, eficiente. E assim, naquela bagunça organizada, fiz amigos e memórias que carrego até hoje. De Elias Bispo, recebi o primeiro incentivo a escrever, algo que até hoje teimo em fazer. Fiz amigos inseparáveis, como Bruno, Helena, Mulatinho e Fred. Vivi paixõe sinceras com Gilberta e Tânia. Admirei a elegância de Roberta e Virgínia. E me diverti demais com Rizete, Ilma, Wilson e Marco Mota.

Os almoços com Fernando Coelho eram acompanhados de risadas e, claro, o infalível rum Montilla. Olímpio, com sua seriedade, não tolerava meus atrasos, mas mesmo assim, me ensinou muito. Jalva foi a primeira a me chamar de chefe, e isso, confesso, me marcou profundamente. E Darci? Ah, Darci de Albuquerque Aleluia, nossa telefonista, com uma voz que ninguém superava.

As lembranças de pessoas como Dona Eurides, nossa copeira, e o vigilante Ferreira são tão vivas quanto os sanduíches que Dona Eurides preparava para nós. Luiz Henrique, o querido Lula, que só tomava Coca sem gás, e Adão, mestre em ensinar, completam esse time que faz parte da minha história. Era uma mistura de personalidades, habilidades e afeto, que transformavam aquela agência em um sucesso, apesar do caos aparente.

E como não falar de Bosco, que era um dos grandes personagens daquele lugar? Uma mistura de Dr. Smith, da série “Perdidos no Espaço”, com um cirandeiro atômico. Seu jeito de cantar “….eu fui a praia do Janga…” era a alegria do fim do dia. O velho Bosco era uma espécie de curandeiro da tristeza. Não era peixe, era a encarnação de Iemanjá em pele de um homem bom! Bosco tinha a capacidade de tirar a carga dos ombros de qualquer um, transformando o ambiente ao seu redor. Para mim, ele era mais que um colega, era uma presença que dava sentido àquela jornada.

Se passaram quase 40 anos desde aquele dia, e, claro, muitos já se foram. A maioria eu perdi o contato, mas suas presenças ainda ecoam em mim, como as notas das músicas da minha playlist. De vez em quando, me pego pensando naqueles tempos e em como foi importante conviver com essa turma. Certamente esqueci de citar alguém, mas isso não quer dizer que os não lembrados agora não foram importantes para mim. A memória, às vezes, falha, e o turbilhão de lembranças é tão grande que não consigo transformar tudo em texto de uma só vez.

Ainda vou escrever mais sobre essas pessoas tão queridas e sobre os clientes que, mais do que clientes, faziam parte da equipe. Aquela agência do Bandepe era um reduto de gente dedicada, bagunçada, mas eficiente. Não tenho dúvidas de que a minha história com eles merece muitos outros capítulos.

Por agora, vou apanhando meu táxi para a estação lunar da saudade. Beijos.

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