Cristina Indio do Brasil
O patrocínio para garantir enredos das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro é uma das fontes que agremiações buscam para escapar da falta de recursos.
Em 2016, para seguir o lema criado em 1956 – “Nem pior, nem melhor. Apenas uma escola diferente” – o Salgueiro tem uma história inusitada. Pela primeira vez no carnaval do Rio, um investidor propôs que uma escola desenvolvesse um projeto em homenagem a uma entidade espírita. Sugestão aceita, o Salgueiro não revela o nome dele nem quanto foi liberado para o desenvolvimento do enredo. Satisfaz apenas a curiosidade com a informação de que foi a entidade que escolheu a escola.
“O Salgueiro tem um enredo que é patrocinado por uma entidade, o que é diferente. Você já viu isso? Uma escola ser patrocinada por uma entidade, que é ligada ao povo? Me sinto, assim, diferente, neste sentido”, contou à Agência Brasil o carnavalesco Renato Lage.
A escola irá para a avenida com o enredo A Ópera dos Malandros. A figura do Rei da Ginga vai ser apresentada com diversas características, para, no fim do desfile, surgir o malandro de fé e de paz. “A gente não está falando do malandro negativo, nocivo. Hoje o que tem mais aí é o malandro ladrão, nocivo ao país, à sociedade. Lava Jato, essa coisa toda. A gente fala mais do malandro poético, que descia do morro e ia buscar o amor na noite”, destacou Lage.
Mas se os enredos patrocinados podem aliviar a falta de recursos, às vezes geram polêmicas que tumultuam a vida das escolas. Em 2015, com o enredo Um Griô Conta a História: um Olhar sobre a África e o Despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a Trilha de Nossa Felicidade, a Beija-Flor de Nilópolis se viu no meio de uma polêmica por receber R$ 10 milhões para destacar o país africano. Depois de muita crítica, a história não ficou totalmente esclarecida. A escola e o governo daquele país negaram que o dinheiro recebido pela Beija-Flor tenha saído dos cofres públicos ou do presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, no poder desde 1979. Discussão à parte, a escola conseguiu o campeonato e este ano quer ficar na frente de novo.
Para 2016, a Beija-Flor chegou a analisar três enredos com possibilidade de patrocínio, mas decidiu ficar com um outro que surgiu da informação de um ritmista da escola. Ele nasceu em Nova Lima, em Minas Gerais, e contou que a cidade tinha um filho ilustre: o Marquês de Sapucaí, enredo deste ano. O nome do marquês é o mesmo da rua onde foi construído o sambódromo e da passarela do samba onde passam as concorrentes no domingo e segunda-feira de desfiles.
O diretor de Carnaval da Beija-Flor, Laíla, disse que a sugestão coincidiu com a vontade da escola de desenvolver um projeto mais barato e com características mais simples, que se notava em carnavais dos anos de 1960, 1970 e e 1980. “A gente conversou e chegou à conclusão de que este enredo seria propício para a gente mudar a cara do que queríamos. Tentar gastar um pouco menos. Um carnaval bem elaborado, mas com adereços alternativos”, contou.
Laíla revelou que chegou a ir a Nova Lima para ver se conseguia algum apoio da prefeitura, mas logo ficou sabendo que não ocorreria, porque a crise econômica atingiu o município. Ainda assim, havia a possibilidade de receber recursos de empresas mineradoras, que também não se confirmou, especialmente, após o desastre do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG).
A Estácio de Sá também teve oportunidade de desenvolver dois enredos patrocinados e acabou escolhendo um projeto proposto pelo carnavalesco Chico Spinoza: Salve Jorge! O Guerreiro da Fé. O presidente Leziário Nascimento gostou da sugestão, até porque é devoto do santo. Ele reconheceu que a crise teve reflexos na agremiação, que, como saída contou com economias próprias, além de buscar materiais mais baratos e dr reciclagem. Isso tudo com uma certa dose também de fé, com a participação de São Jorge. “Ele está ajudando muito. De vez em quando falta um negocinho ali, daqui a pouquinho aparece. É ele que bota o dedo. Na vida tem que ter fé”, destacou Nascimento.
Fui no Itororó Beber Água e Não Achei. Mas Achei a Bela Santos, e por Ela Me Apaixonei… Esse é o enredo escolhido pela Grande Rio, que não conseguiu os recursos que esperava. O diretor de Carnaval, Ricardo Fernandes, disse que o apoio da prefeitura de Santos foi cultural e não financeiro, apesar de algumas empresas terem dado uma ajuda. “Nós conseguimos captar alguns recursos com essas empresas, mas o apoio da prefeitura, como governo municipal, é única e exclusivamente institucional”, afirmou Fernandes.
A Unidos da Tijuca seguiu a vontade do presidente da escola, Fernando Horta, de tratar de um tema ligado ao Brasil. Em uma pesquisa, surgiu a cidade de Sorriso, em Mato Grosso, que serviu de base para desenvolver o tema “Terra”. Sem apoio financeiro externo, o carnavalesco Mauro Quintaes conta que o tema facilitou a troca de materiais e a redução de custos. “Facilitou o fato de a escola falar do campo, então, a gente substituiu as plumas por palhas, juta, folhas feitas com a palha do milho. A estrutura das fantasias deu uma virada muito grande em função disso. Tiramos quase 80% das plumas e substituímos por esses materiais mais orgânicos. A gente fez uma economia bem bacana”, ressaltou o carnavalesco.
Na Mocidade Independente de Padre Miguel, apesar de conseguir alguns patrocínios, o principal apoio veio do patrono da escola, o empresário Rogério Andrade. “Os patrocínios chegam aos pouquinhos, mas graças a Deus temos um bom patrono. Ele gosta e é Mocidade doente”, contou o presidente da escola de samba, Wandyr Trindade, conhecido como Macumba.
A dupla sertaneja Zezé de Camargo e Luciano será homenageada pela Imperatriz Leopoldinense. A escola não recebeu auxílio direto dos cantores, mas, por onde eles passaram, desde que ficou acertado que seriam o enredo da agremiação, divulgaram bastante o projeto. Fizeram questão de visitar várias vezes os ensaios da quadra e cantavam o samba-enredo. O diretor de Carnaval da Imperatriz, Wagner Araújo, disse que, para equilibrar os gastos com as receitas e não ficar com dívida, o jeito foi fazer uma programação baseada no ano anterior. “Isso é o mais recomendável. Se vier alguma coisa extra aí muda alguma coisa da programação, com um tecido melhor, uma iluminação mais forte, um acabamento diferenciado nas alegorias, mas a programação de carnaval tem que fazer com o que recebeu no ano anterior. Nossa escola não tem um tostão de dívida”, destacou Araújo.
Agência Brasil