Pela primeira vez desde a independência do Zimbábue, em 1980, Robert Mugabe não pôde ontem votar em si mesmo. Ele governou o país por 37 anos valendo-se de eleições fraudulentas, até ser deposto no ano passado. Inconformado, o ex-ditador agora apoia a oposição, em uma eleição cujo grau de lisura é uma incógnita. Espera-se que o resultado saia em cinco dias e o mais provável é que haja um segundo turno, em setembro.
O dia da votação foi pacífico, mas ficou marcado por longas filas, demora de até dez horas para votar, e reclamações dos adversários de repressão e tentativa de impedir o voto dos oposicionistas.
Os dois principais candidatos representam ideologias, estilos políticos e gerações dramaticamente diferentes. O presidente, Emmerson Mnangagwa, de 75 anos, é a encarnação da continuidade. Seu adversário, Nelson Chamisa, de 40 anos, é a ruptura radical.
Apelidado de “crocodilo” por sua paciência e brutalidade, Mnangagwa foi assessor de Mugabe por quase 30 anos, ocupou postos-chave, entre eles o de ministro da Segurança Nacional, e chegou à vice-presidência. Quando Mugabe deu sinais de que colocaria sua mulher, Grace, como sucessora, tentou articular um golpe. Foi destituído do cargo em novembro e se exilou. Dias depois, o Exército zimbabuano interveio, derrubou Mugabe e Mnangagwa assumiu.
Nelson Chamisa, de 40 anos, é herdeiro político do principal líder opositor do Zimbábue, Morgan Tsvangirai, que morreu no começo do ano em razão de um câncer. Chamisa assumiu a liderança do principal partido de oposição do país, o Movimento pela Mudança Democrática (MDC). Advogado e pastor evangélico, Chamisa tem uma oratória potente. Explorou ao máximo durante a campanha
a imagem da renovação política e geracional que considera a chave para atrair os investimentos estrangeiros.
A contagem dos votos começou logo após o fechamento das urnas, às 18 horas (15 horas de Brasília). As pesquisas dão a Mnangagwa uma vantagem de 5 pontos sobre Chamisa, mas nenhum dos dois alcança 50% dos votos, o que levará a um segundo turno em 8 de setembro.
A dispersão de candidaturas provocada pela abertura política no Zimbábue é um fator de instabilidade. Pela primeira vez desde a independência há 20 candidatos à presidência, e quase 130 partidos políticos disputando cadeiras parlamentares.
O partido de Mugabe, o ZanuPF (União Nacional Africana do Zimbábue – Frente Patriótica), continua no controle do país, e muitos acreditam que não cederá facilmente o poder. Meses depois de assumir, Mnangagwa anunciou que eleições seriam marcadas para 30 de julho. Prometeu que elas seriam livres e com observadores internacionais. Apesar de afirmar desde o começo que quer romper com as políticas repressivas de Mugabe, Mnangagwa foi acusado de reprimir a oposição. Dirigindo-se aos repórteres ao votar nos arredores da capital, Harare, Chamisa disse: “Este é um grande momento para o Zimbábue. As pessoas falaram. Eu sei que estamos ganhando, apesar da brutal repressão a nossos apoiadores.”
O líder do MDC afirmou que havia uma tentativa de “reprimir e frustrar” o voto nas áreas urbanas, onde ele tem forte apoio. O apoio ao Zanu-PF é mais forte nas áreas rurais, onde vive mais de dois terços dos 17 milhões de habitantes. Observadores internacionais ofereceram impressões variadas sobre a eleição, mas todos notaram que ela foi pacífica. Elmar Brok, o principal observador da União Europeia, disse que a votação foi “muito suave” em alguns casos e “totalmente desorganizada” em outros.
Esperança – “Estou muito otimista esta manhã. As coisas vão melhorar agora”, declarou à agência Reuters Tinashe Musuwo, estudante de 20 anos, nos arredores de Harare. Nyari Musabeyana, de 30 anos, cabeleireira, disse que acordou cedo para votar pela mudança. “Desejamos que as coisas estejam bem em nossa aldeia. Não temos emprego, dinheiro ou economia. ”
Quase quatro décadas de governo de Mugabe deixaram o Zimbábue com uma economia arruinada, desemprego crescente e infraestrutura em ruínas. Quase 70% da população vive na pobreza, e 85% está desempregada.