Asa Norte
Noiva aparece em cartório e solta cobras e lagartos contra ex-futuro marido

A fofoca não é algo que me faça perder o sono para tentar desvendar o seu desenlace. No entanto, parece que os imbróglios que se dão ao meu redor sempre me chegam de modo inesperado, como se fosse eu um ímã dessa coisa que, afinal, atrai ouvidos até mesmo do mais decoroso dos viventes. Se duvida, eis o que aconteceu na semana passada aqui no serviço.
Meu nome é Frederico Marchi, mas, até onde sei, não tenho qualquer parentesco com o poeta e escritor Daniel Marchi. Confesso que até queria, pois poderia usar tal proximidade para me fazer notado pelas moçoilas que desfilam tanta elegância pelas calçadas estreitas da capital. Sou um tipo quase comum, caso não fosse pela calvície avançada nos meus ainda 28 anos, como se fosse castigo de Deus. E justamente contra mim, devoto de São Francisco de Assis.
Vaidades postas de lado, eis que sou auxiliar de cartório, emprego que consegui por indicação de tio Alberto, recém-falecido. Bom homem, que ajudou o quanto pode familiares e amigos. Foi pego de surpresa por uma dessas doenças de velho e, diante do inevitável, sorriu: “Fred, meu querido sobrinho, a vida é um sopro.”
Apesar da saudade, não estou aqui para falar sobre o meu parente. Pois bem, na semana passada, sexta-feira para ser mais preciso, aconteceu um rebu aqui no trabalho. Tudo por causa do Souza. Aliás, quando não é o Souza, a culpa do rebuliço é toda do Pedro Henrique, que gasta mais tempo penteando a vasta cabeleira do que atendendo a clientela. Creio que ele faz isso apenas para me provocar, já que, não raro, lança-me aquele olhar oblíquo e sorri cinicamente enquanto desliza o pente sobre as madeixas aloiradas. Que exibido!
Pouco antes das cinco da tarde, o cartório estava abarrotado de gente, como se aquilo fosse o dilema entre a felicidade e o martírio. Povo estressado, que deixa tudo para a última hora. Seja como for, no momento em que estava atendendo um sujeito que me fazia perguntas atrás de perguntas, eis que surgiu uma beldade de lá seus trinta e poucos anos. Um pitéu, como tio Alberto costumava falar.
A tal mulher, que já carregava um bonde de atenção, foi ainda mais explícita quando gritou em direção ao Souza, que estava paquerando uma linda garota de seus vinte anos.
— Safado! Sou mesmo trouxa de vir aqui para te chamar para jantar, seu cretino!
Instintivamente, todos ficamos boquiabertos aguardando pelos próximos capítulos, que, não tardaram, foram despejados em cascatas.
— Souza, só vou te dizer uma coisa!
— Solange, meu amor, posso explicar.
— Pois vá explicar para megera da sua mãe, seu cretino!
Diante do auê, ninguém teve coragem para enfrentar aquela onça. Por sorte, ela se virou e saiu do recinto, momento em que pude ouvir alguns comentários.
— Que monumento!
— Que ancas!
— Ah, era uma nora dessas que eu queria dar para minha mãe.
Pra quê? Souza pareceu não gostar e saiu em defesa própria.
— Ei, olha o respeito com a mãe dos meus filhos!
— E desde quando você tem filhos, Souza? – Pedro Henrique questionou.
— Não tenho ainda, mas terei um dia.
Situação apaziguada, clientela atendida, as portas do cartório foram fechadas. Todavia, o assunto persistiu até que todos fôssemos embora. E lá estávamos o Souza, o Pedro Henrique e eu no ponto de ônibus, quando ouvi o seguinte interlúdio.
— Você fica rindo aí, Pedro Henrique, mas um dia a casa vai cair pra você também.
— Que nada, Souza, a Rafaela nunca apareceu no cartório nem pra me levar um pastel.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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