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Nordeste, onde reza a lenda, vira terra só de motoqueiros com Cauã puxando a fila

Luiz Carlos Merten

Cauã Reymond cavalga no lombo da motocicleta. O sertão não virou mar, como profetizava Glauber Rocha no final de Deus e o Diabo na Terra do Sol, mas com certeza se transformou. Os novos vaqueiros andam de moto, como Cauã em Reza a Lenda, longa de Homero Olivetto que estreou na quinta-feira, dia 21, ou então participam de vaquejadas, mas com o desejo nada secreto de ser estilista, como o Juliano Cazarré de Boi Neon, de Gabriel Mascaro. O sertão da memória ainda existe em algum lugar do imaginário, mas o real, como o Brasil, modernizou-se.

Ao subir na moto, Cauã retoma a estrada de rebeldes clássicos de Hollywood. Marlon Brando em O Selvagem, de Laslo Benedek, Steve McQueen em Fugindo do Inferno, de John Sturges, e claro Dennis Hopper e Peter Fonda em Sem Destino, que o primeiro dirigiu. “Tá me zoando, cara?”, pergunta o astro de Reza a Lenda na entrevista realizada no começo de dezembro, há quase dois meses. Foi preciso aproveitar a data para reunir toda a equipe em São Paulo.

Cauã, atolado nas gravações de A Regra do Jogo, foi liberado pela Globo. Surpresa? “Ela é parceira no filme” (por intermédio da Globo Filmes). E quanto a se medir com os lendários Brando, McQueen, Hopper… “Não vou negar que pensei neles, sim. O próprio filme é de gênero, portanto, tem tudo a ver. Mas foi só por um momento. Nunca pensei em interpretar o Ara do jeito deles. Tinha que ser do meu jeito.”

E como é o jeito de Cauã Reymond? “É apanhando”, e o rosto ilumina-se no sorriso. “Tive que aprender a andar de moto. Caí, foi um tombo feio. Me dói até hoje, mas não teve arreglo. O personagem exigia. Tinha que fazer.”

O filme mistura religiosidade e violência no alto sertão, mas agora é um sertão rasgado por estradas de asfalto. Ara/Cauã lidera o grupo que rouba do Coronel a estátua da santa. Reza a lenda que só quando ela voltar a seu povo haverá chuva – e o sertão vai virar mar. O filme mistura gêneros de Hollywood – western com road movie. “São gêneros deles muito consumidos por aqui, mas raros no cinema brasileiro. E foi o que me encantou na proposta do Homero (o diretor). Por que não fazer um filme de gênero, mas nosso, com atores brasileiros?”, indaga ainda o ator

O próprio Homero Olivetto participa da rodada de entrevistas e conta que Reza a Lenda começou a nascer muitos anos atrás, quando viu Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas. “Era estudante em Salvador e aquela mistura da cultura sertaneja com o universo pop me bateu como um raio. Impactado, escrevi três contos e, num deles, o personagem chamava-se Zaratustra e era a gênese do Ara.” Motos, lutas, tiroteios. O risco era grande, mas não tão grande que paralisasse a vontade de fazer. Foram anos de preparação – e a primeira delas fez com que o diretor, estudante de Filosofia, migrasse para o cinema. Os contos de Homero Olivetto viraram roteiro (com Patricia Andrade e Newton Cannito), o elenco teve preparação física e emocional. O Cauã galã da TV cede espaço a esse outro, que bate e arrebenta – mas também toma porrada.

Ele não tem problema com a figura do galã. Diz que o papel cumpre “uma função na dramaturgia de TV”. Acha que é preconceito de crítico. Só não quer ficar preso ao personagem. E, por isso, ousa – ousa tanto que virou coprodutor de Reza a Lenda. “Ajudei a captar. Acho importante participar de todo o processo.” Vai fazer a mesma coisa com um projeto querido que está sendo gestado com a produtora Buriti, de Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi.

“Vamos contar a história do jovem Dom Pedro.” Outro filme de gênero praticado por Hollywood, a biografia histórica. “Mas vamos fazer do nosso jeito. Luiz escreve, Laís dirige e os dois têm aquele talento que você sabe. (O repórter sabe, sim.) É coisa para 2017 e eu coproduzo com a empresa que formei com o Canivello.” Mário Fernando Canivello é assessor de imprensa de Cauã (e Chico Buarque e outros mais). Acompanha a entrevista e faz o sinal de positivo com a mão. Dom Pedro, o 1.º, já foi personagem de filmes como Independência ou Morte, de Carlos Coimbra, e Carlota Joaquina, Princesa do Brasil, de Carla Camurati, mas a pegada da dupla LL, Laís e Luiz, promete, quem sabe, o grande filmes brasileiro do ano que vem (ou de 2018).

Voltar ao sertão foi gratificante. Cauã já havia gravado a minissérie Amores Roubados em Petrolina. “Me receberam melhor ainda. É uma cidade com estrutura, preparada para receber qualquer filmagem.” Impossível falar com ele sem repercutir a novela. A Regra do Jogo começou com muitos problemas e até hoje não virou o evento que se esperava de João Emmanuel Carneiro e Amora Mautner, autor e diretora do megassucesso Avenida Brasil.

Justamente – Avenida Brasil foi um fenômeno, e o fenômeno, por definição, é algo especial, que não se repete. “Tenho o maior respeito por esses dois e a Amora, então, foi a diretora que acreditou em mim e me fez avançar, na vida e na carreira”, diz Cauã.

“Percebo que há uma cobrança muito grande, como se a fórmula das telenovela tivesse se esgotado. Mas um sucesso como Avenida Brasil não tem fórmula. Acontece. O que sei é que o público consome e gosta de novela, mas, hoje em dia, a oferta cresceu muito e o público tem muita coisa para escolher, e ver. Continuo achando que estar numa telenovela é privilégio para qualquer ator, porque a comunicação é imediata, é muito especial.”

Sobre o Juliano, seu personagem em A Regra do Jogo, diz – “Ele está num momento mais cerebral e, por isso, acabou se tornando uma espécie de guia da polícia contra a Facção. O caminho percorrido por ele tem sido muito interessante. O personagem começou passivo ao sair da prisão, passou por um período de ação intensa, quando descobriu o envolvimento do pai com a Facção, e agora está numa fase investigativa, preparando os próximos passos.” Cauã está otimista. Acha que vem coisa boa por aí.

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