Manchete escondida
Nota 10 é caso isolado e não retrata a realidade da educação dos nordestinos
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Era para ser motivo de festa, e de fato foi, quando estudantes nordestinos conquistaram a nota máxima no último Enem. Orgulho, aplausos, manchetes. Mas no outro lado da estrada – aquela poeirenta, rachada pelo sol impiedoso do Sertão – há um silêncio que não estampa capas de jornais.
O menino que caminha léguas para chegar à escola encontra o portão fechado porque o professor não veio. Não porque quis, mas porque não há professor suficiente. O livro didático, quando chega, já vem com cheiro de passado, carregando lições de um tempo que o futuro já esqueceu. O sinal do celular não dá notícia, a internet é uma miragem, e a biblioteca mais próxima fica a dezenas de quilômetros de distância. Ainda assim, dizem que estudar é questão de esforço.
A televisão exibe a vitória dos poucos que conseguiram atravessar o deserto da desigualdade e chegaram à outra margem, aquela onde se mede a inteligência pelo desempenho em uma prova. “Se um pode, todos podem”, alguém solta com displicência na roda de conversa. Mas será mesmo? Será que podem aqueles que nem sempre têm luz elétrica para estudar à noite? Será que podem os que abandonam os cadernos para ajudar no sustento da família? Será que podem os que sequer aprenderam a ler porque o ensino fundamental ficou pelo caminho?
A exceção não pode ser usada como régua para medir a regra. Celebrar as conquistas individuais é necessário, mas não pode ser desculpa para fechar os olhos à realidade de tantos outros que nunca terão essa chance. Para esses, não há holofotes. Apenas um futuro que segue escrito na poeira, aguardando o dia em que alguém, enfim, trará as palavras que o vento ainda insiste em levar.
O programa Pé de Meia, embora represente um avanço ao incentivar a permanência dos alunos na escola, não é solução para todos os problemas. A realidade mostra que a evasão escolar não se dá apenas por falta de incentivos financeiros, mas também pela ausência de infraestrutura adequada e qualidade de ensino. Além disso, a formação educacional se mostra incompleta sem o ensino técnico e profissionalizante, essencial para preparar os jovens para o mercado de trabalho. Em síntese, dizer que a educação pública no Nordeste é Nota 10 é uma mera utopia, pois a realidade ainda grita por mudanças estruturais e investimentos que garantam oportunidades para todos.
