Após uma semana de embates midiáticos entre os presidentes Rodrigo Maia e Jair Bolsonaro, os ânimos estão se acalmando. É compreensível que Número 1 dos deputados tenha passado por momentos delicados na vida particular de sua família. Além disso, a renovação dos ocupantes tanto da Câmara quanto da Esplanada dos Ministérios e do Planalto ainda demanda um melhor entendimento de como e com quais argumentos o Executivo entende negociar com o Legislativo.
É também muito legítimo que Rodrigo Maia não tenha intenção de carregar o inevitável desgaste de uma reforma da Previdência sozinho. O projeto não é dele. Mas um estadista que pretende num futuro próximo candidatar-se ao cargo maior da República não tem o direito de “lavar as mãos” diante do que é hoje o maior problema das contas públicas do Brasil. Um problema na atualidade, e sobretudo para todos os futuros.
Há males que vêm para o bem, diz o ditado. No caso da Previdência, é o contrário: há bens que trazem o mal. Ou pelo menos a necessidade de ajustes.
A rigor, a reforma da Previdência não precisaria vir do Executivo. Não se trata de uma “política” do Planalto, qualquer que seja seu ocupante. É resultado de uma excelente notícia: o brasileiro vive mais. Bem mais. Da promulgação da Constituição vigente até hoje, o ganho em expectativa de vida foi de mais de 10 anos. Passou de 65,5 para mais de 76 anos em 2017. Todos os cálculos que foram feitos em 1988 para redigir o regime previdenciário na Carta Maior estão desatualizados.
Por outro lado, mesmo seguindo uma tendência de alta, a idade média de ingresso no mercado de trabalho no Brasil ainda é baixa. Estudo do IBGE em 2015 indicava que 44,2 % das pessoas que trabalhavam tinham começado antes dos 14 anos. Considerando os textos atuais, essas pessoas poderiam pedir aposentadoria com 30 anos de contribuição, aos 44 anos, e viver ainda mais de 30. Situação hipotética, mas que ocorre aos milhares cada ano.
Para os que ingressaram mais tarde, com diploma superior, por exemplo, o problema está no Serviço Público. Com regras diferentes dependendo dos setores e da região, os déficits assolam as contas públicas de estados e municípios. Vários dessas unidades já tiveram que aumentar as contribuições de seus servidores. E mesmo assim têm dificuldades em pagar aposentadorias. Quando não os salários dos ativos.
Por fim, um terceiro dado estatístico mostra um horizonte cinza: em trinta anos, a taxa de fecundidade no Brasil despencou. Passou de 3 filhos por mulher em 1988 para 1,7 em 2017. O País já está abaixo do nível de reposição populacional.
O sistema previdenciário é do tipo “repartição”. Contrariamente, por exemplo, ao FGTS, onde o dinheiro depositado fica guardado em nome do trabalhador, que deverá poder recuperá-lo no fim de sua carreira, a contribuição previdenciária paga hoje serve para honrar os benefícios dos atuais aposentados. Não é guardada para quem contribui. O que deixa planar no atual sistema previdenciário uma pergunta essencial: haverá suficientemente trabalhadores ativos para pagar as pensões dos milhões de cinquentões e sessentões ?
Todos os países que seguem o sistema por repartição precisaram, precisam e precisarão adequar os benefícios à realidade. A equalização no Brasil é particularmente complicada em razão do caixa único da Seguridade Social. Que permitiu aos demagogos e populistas de ousar bradar que “não há déficit”.
De fato, não há… quando se tira dinheiro da saúde para pagar as aposentadorias. O caixa é o mesmo. A verba que falta para comprar remédios na farmácia pode ter sido utilizada para completar os contracheques muito acima de qualquer teto de aposentados que ocupam seu tempo ocioso em assessorando gratuitamente os demagogos e populistas já citados.
“Nesse momento, nos cabe enfrentar o desafio maior para a política fiscal no Brasil e para vários países do mundo, que é a sustentabilidade da Previdência Social em um contexto de envelhecimento da população. No ano passado, a Previdência Social e os benefícios assistenciais do BPC responderam por 44% do nosso gasto primário. Mantidas as regras atuais de aposentadoria, esse percentual tende a aumentar exponencialmente, diante do envelhecimento esperado da população brasileira. Um dado ajuda a explicitar nosso desafio: por exemplo, em 2050, teremos uma população em idade ativa similar à atual. Já a população acima de 65 anos será três vezes maior. E de hoje até lá, este será um processo que passará por uma vez maior, duas vezes maior até chegar a três vezes maior.
Há várias formas de preservar a sustentabilidade da Previdência Social e vamos apresentar nossas propostas. E considerar as demais propostas em todos os foros de debate. Vamos dialogar com a sociedade para encaminhar ao Congresso Nacional uma proposta exequível e justa para os brasileiros; uma proposta que aprimore as regras de aposentadoria por idade e por tempo de contribuição, para que se ajustem, gradualmente, à expectativa de vida da população.
Quero ressaltar que a reforma da Previdência não é uma medida em benefício do atual governo. Seu impacto fiscal será mínimo no curto prazo. A reforma da Previdência é uma questão de Estado brasileiro, pois melhorará a sustentabilidade fiscal do Brasil no médio e no longo prazos, proporcionando maior justiça entre as gerações atual e futura e, sobretudo, propiciando um horizonte de estabilidade ao País”.
Os três parágrafos acima foram lidos na sessão solene de abertura do ano legislativo do Congresso Nacional. Em janeiro de 2016. Pela então presidente Dilma Rousseff. E continuam atuais.