A razão pela qual há tanto pecado no mundo de hoje é que o homem perdeu o medo do inferno. Não sou evangelista, tampouco profeta, mas, como cristão, estou convicto de que a vida não consiste somente em ter boas cartas, mas jogar bem com as que se tem. As minhas são poucas, mas suficientes para conviver bem com as várias pessoas que já fui em uma mesma existência. Nada de anormalidade, isto é, todas dentro dos preceitos conservadores do cristianismo. De mágico e ilusionista, de médico e jogador de futebol e de filho a pai, já fui de tudo um pouco. Apesar da diversidade, permaneço íntegro física, emocional e sexualmente.
Confesso que nem tanto porque, depois da invenção desse tal de Novembro Azul, o que Deus me deu de forma tão carinhosa o Diabo, vestido de urologista, interveio e cutucou dolorosamente. O pior é que o Satanás ainda cunhou uma frase para para-choque de caminhão: “Sai o Outubro Rosa, entre o Novembro Azul. Sai o laço no peito, entra a dedada… no fulano”. Lascou!!!! Falo disso por obrigação, pois só de lembrar me dá comichão. Faz parte do jogo da saúde, mas que é chato é, principalmente quando o sujeito é velho como a gente e sofre do Mal Parkinson. O que fazer se o protocolo da vida determina esse tipo de velada, incontida e indevassável satisfação.
Esse é o lado bom, mas não quero entrar em detalhes de consultório. Coisas minhas e do profissional com o qual me relaciono, sem intimidades pederásticas, é claro. Sou aquele tipo de macho que, para não dar margem às maledicências, depilo as partes pudendas com caco de vidro. Ainda menino, achava que o tamanho do homem se descobria quando ele tirava a roupa. Falta do que pensar. Simpatizante de teses filosóficas, estrogonoficamente aprendi que a gente só consegue saber o porte de um homem pelo tamanho do problema que o derruba. Simples assim. Pelo sim, pelo não, faço minhas as palavras do poeta Vinícius de Moraes.
Pouco antes de partir para o andar de cima, o poetinha de Ipanema disse a amigos próximos que, caso lhe fosse dado o privilégio da reencarnação, gostaria de voltar à Terra do mesmo jeitinho que era antes da partida. Se possível, o único desejo fora da curva seria um bilau um pouquinho maior. Vinícius e a inteligência, tudo a ver. Aliás, embora seja quase uma lenda, homem inteligente é um bom afrodisíaco para mulheres sábias. De modo mais grotesco, diria que, em pé ou deitado, o homem inteligente está sempre usando a cabeça. Não é o meu caso, mas, como disse Confúcio, o maior prazer de um ser humano inteligente é bancar o idiota diante do idiota que quer bancar o inteligente.
Sem erotismo – base tão indispensável como a poesia -, meu prazer maior é ver a banda passar. Quando posso, até a sigo com meu samba de uma nota só. Daqueles que não desistem nunca, não sou desses, mas fiquei com a consciência tranquila após ser informado sobre a longa homilia do padre Décio Pinto na missa do último domingo. Pároco da principal igreja do bairro, Décio Pinto é daqueles religiosos sem papas na língua. Mesmo sem poder, diz o que quer, duela a quien duela, independentemente da atenção e da situação acadêmica, ecumênica e epidêmica das beatas e dos coroinhas mais idosos. Guardadas as devidas confabulações bíblicas, na homilia de domingo dom Pinto trouxe um recado do papa Francisco e o repassou com um olho fechado e outro aberto.
Disse que assim agia porque o olho por olho acabará deixando o mundo cego. Sabias palavras e ditas por quem certamente conhece de perto minha integridade física, emocional e sexual. Esse negócio de coisar no olho cego não faz parte do meu eu. Deixando de lado os entretantos, tenho certeza de que o comunicado do santo padre aliviará o coração, a alma e as costas de muitos da minha geração. Durante o sermão na Basílica de São Pedro, o hermano Francisco de Buenos Aires informou que as traições dos homens com mais de 60 anos deixam de ser pecado e passam a ser pequenos milagres. Apesar de frustrado, estou salvo. Depois disso, por que levar a vida tão a sério? Não custa lembrar que ninguém sairá vivo dela.