Como um prelúdio, depois de um voo atrasado seguido de outros contratempos, eu corria pelas estações do metrô do Brooklyn repletas de referências visuais para o ateliê do guitarrista, vocalista e compositor Andrew Savage, 32 anos, da banda Parquet Courts – prestes a lançar o sexto álbum Wide Awake (Rough Trade Records), no dia 18 de maio.
No pêndulo entre ser uma banda independente que veio da cena underground, cujo primeiro álbum saiu em uma tiragem limitada de fitas cassetes, e estar se tornando conhecida mundialmente e ser frequentemente citada nas mídias americanas como uma das queridinhas do rock do Brooklyn, nada mais simbólico do que terem trabalhado pela primeira vez com um produtor nesse registro, o notório Danger Mouse.
A faixa-título que soltaram recentemente, com clipe gravado em New Orleans, traz uma explosão funky e encharcada de groove, contaminando de qualidades dançantes a dinâmica sônica que costuma unir urgência punk nos vocais e guitarras bem casadas com outras paisagens musicais. Prismático, Andrew também é artista visual, assina a arte dos álbuns do Parquet Courts e dirige o selo Dull Tools – pelo qual lançou o seu álbum solo em outubro passado (A. Savage), e o segundo do Parquet Courts, incluindo muitos outros artistas no cast.
Bem ao sabor do Brooklyn, o prédio cinza do bairro de Bed-Stuy abriga inúmeros ateliês e estúdios de música ao longo de seus enormes corredores, de atmosfera industrial. Depois de outras dificuldades para localizar o QG plástico, Andrew veio me buscar no elevador vestindo um moletom cheio de tintas coloridas respingadas, uma touca e os seus óculos. Dentro do ateliê por onde vazava a luz do dia cinza-branco por amplas janelas, havia uma miscelânea de desenhos, roupas penduradas que seriam pintadas, telas e apenas uma cadeira, onde me sentei. Andrew se equilibrou sobre uma grande bola azul.
O próprio nome da banda, de pronúncia complicada, reflete essa miscelânea plástica: Parquet Courts tem duplos sentidos, mas remete a padrões geométricos de pisos, ou de tribunais. “Leva à ideia de quadras de basquete que podem ter esses pisos, então é uma referência bem americana”, diz ele. E para minha surpresa, nesse momento ele saca uma cuia e bombilha e começa a sorver o seu mate – à la chimarrão! – “trouxe da Argentina”, conta.
A atitude séria e cool é quebrada por um raro sorriso e empolgação quando ele fala sobre essa primeira turnê pela América do Sul, e o quanto a banda curtiu São Paulo quando tocaram no festival The Art of Heineken, no topo do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (MAC-USP), no ano passado. Ele diz que aceitariam prontamente convites para voltar. A partir de maio, o grupo dá a partida em uma agitada agenda de shows para promover o novo álbum nos Estados Unidos, Europa, Japão e Austrália.
Nos trânsitos entre as esferas do underground e do mainstream, pergunto se o trabalho com Danger Mouse teria contribuído na direção das pistas de dança, como aponta a faixa-título. De modo bastante diverso dos sons mais “garageiros”, e tão viscerais quanto melódicos, do último álbum Human Performance, de 2016. “Não teve nada a ver porque tínhamos o álbum composto antes que ele chegasse; a natureza funky do disco, essas linhas de baixo já estavam lá antes. Cada álbum deveria conter o seu próprio testemunho, o seu próprio som, e desta vez eu queria fazer um trabalho mais rítmico.” Eles se isolaram em um deserto do Texas para a gravação, em três semanas, no estúdio Sonic Ranch.
“Foi gravado de forma muito semelhante aos discos anteriores, com a diferença que desta vez tínhamos uma pessoa de fora ali, o Brian (Danger Mouse), que podia nos mostrar eventuais vícios de composição e que temos como músicos que tocam juntos há oito anos e que não conseguiríamos perceber de dentro.”
Depois de uma recusa a comentar sobre outras músicas do álbum, Andrew concorda em mostrar faixas inéditas, e dá o play em Violence. Mais um petardo funky, com baixo pulsante no primeiro plano, vocais nervosos, em uma ambiência que lembra o som de James Brown – quase um punk funk, entrecortado por outras texturas sonoras, como um solo com timbre que lembra Theremin. Algo como uma celebração raivosa, música para dançar com letra consciente.
“Um dos temas que queríamos explorar nas letras deste álbum era a dualidade entre alegria e raiva. Muitas são em reação ao que está acontecendo nos Estados Unidos agora e nos últimos dois anos, com a administração Trump, quantidades enormes de violência que vemos, corrupção política”, fala, convicto, reforçando que vale a pena estar engajado e de olhos bem abertos neste momento em que ele acredita que há uma mobilização coletiva dos jovens americanos para acreditar em algo, reunirem-se em protestos. “Dizendo ‘eu estou bem acordado’, o que se está dizendo é que se está engajado com o que está acontecendo hoje, e que se está prestando atenção, que se tem uma opinião. Pode ser considerado tanto algo festivo como um aviso para as pessoas que não querem que estejamos acordados.”
As músicas novas continuam tocando e a próxima tem uma pegada dub e quase psicodélica em alguns trechos. E um respingo punk, cuja inspiração Andrew faz questão de reforçar. “As paredes dos gêneros musicais estão caindo. O hip hop, por exemplo, está absorvendo influências de outros estilos, e isso vai continuar acontecendo, até o ponto que as pessoas parem de notar distinções de gênero ou que a gente tenha uma maneira totalmente nova para descrever a música.”