Ouro da simplicidade
Novo imperador dos mares chega ao Olimpo com a fé dos humildes
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emA busca insana pelo ouro olímpico nos obriga a refletir sobre coisas e situações do passado, presente e futuro. Melhor é que nos permite uma boa reflexão a nosso respeito e a respeito do próximo. Ainda mais relevante é perceber que vencer ou ser vencido não só faz parte da vida ou de qualquer disputa, mas representa a lei natural da existência. E, no caso em questão, o esporte, não há uma obrigação de vitória para os melhores, os mais rápidos, os mais robustos, melhores aquinhoados. Também não há lugar para a máxima de que eu sou o máximo e, por isso, você tem de perder. Os que se acham assim até conseguem expressivas conquistas, mas, naturalmente, são inexpressivos para o bairro, para a cidade e para o país onde nasceram.
São milionários, moram em mansões, desfilam com carrões, aviões, helicópteros de última geração, adoram namoradas ou mulheres famosas, mas falta-lhes o fundamental para o espírito: o reconhecimento do mundo como pessoa do bem. Vivem exclusivamente para o Olimpo, mitologicamente o lugar onde habitam as divindades. Por orgulho ou necessidade de viver intensamente, esquecem que o melhor Olimpo é aquele lugar onde reina a felicidade, o céu e o paraíso. São duas procuras e dois achados. Em resumo, é a lei de causa e efeito, um dos princípios fundamentais do Hermetismo para explicar as contingências ligadas à vida humana.
Segundo ela (a lei), a todo ato da vida moral do homem corresponderia uma reação semelhante dirigida a ele, criando-se, assim, algo similar ao “cosmos ininterrupto de retribuição ética”. Em síntese, é um dos argumentos usados pelos filósofos como prova da existência de Deus e como solução da origem da vida. Tudo isso para dizer que o verdadeiro Olimpo é para poucos. Menino pobre de uma cidade paupérrima do Rio Grande do Norte, um rapaz simples e preocupado apenas em homenagear a mãe, a família e a falecida avó conquistou a primeira medalha de ouro – até agora a única – do Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Focado, ressabiado com os efêmeros holofotes e sem avermelhar os folículos capilares, Ítalo Ferreira desafiou oponentes endeusados e ricos e, com a ajuda de Poseidon, deus dos mares na mitologia grega, transformou-se no imperador das águas. De uma prancha adaptada a partir da tampa de uma velha caixa de isopor, recebeu a maior honraria de um desportista. Restou ao pai humilde, simplório e peixeiro com muita honra a certeza de que o berço foi definitivo para que o filho ganhasse o universo sem a necessidade de esquecer as origens ou pulverizar pessoas que, de alguma forma, o ajudaram na íngreme e sofrida subida aos céus do merecido sucesso.
Para o bem da humanidade, deixou perdido na poeira estrelas sem a sua grandeza. Venceu para seu povo e mostrou nos dedos e no pescoço tatuagens que definem bem o caráter dos bons. Tatuou a palavra fé, sentimento subjetivo que exprime confiança, crença, credibilidade em algo ou alguém. É o que falta hoje à maioria dos desportistas do Brasil e do Planeta. Nascidos tão pobres como o novo “dono” dos oceanos, alguns se acham superiores até a eles mesmos. Esquecem um velho e sábio ditado popular, cujo significado é que Deus não dá poder às pessoas que não o merecem. Por isso é que Deus não dá asas às cobras. Os gramados estão cheios delas. A maioria faz bem o que sabe, lota estádios, ganha rios de dinheiro, mas esquece o habitat nativo e ignora as cores dos clubes de formação.
O salto da várzea ou das ruas para os palacetes muda comportamento, molda caráter, corrompe prodígios e eleva à condição de sênior meninos e meninas que nunca foram juniores. Pior é quando são corrompidos dentro do próprio seio familiar. A consequência natural é perder para o poder a humildade, a alegria e o prazer de servir seus irmãos. E isso ocorre tão rapidamente como se ganha o primeiro milhão. Com a velocidade de um drible ou de um petardo sem direção, deixam de ser o que eram. Receberão carinhos oportunistas, falsos afetos e ainda mais falsas amizades.
Estão distantes anos luz de Pelé, Ayrton Senna, João do Pulo, Hortência, Zico, Éder Jofre e Oscar, entre dezenas de outros mitos do esporte. Podem até continuar financeiramente poderosos, mas, repito, jamais serão reconhecidos como ídolos perpétuos de uma nação. Morrerão pensando apenas no seu umbigo. Dificilmente terão sentimentos, mas jorrarão tolos argumentos. O menino dos mares nunca será um desses. Que Poseidon e Netuno, deus dos oceanos na mitologia romana, o mantenha sempre humilde, sensato e bom. Quanto aos demais, nem céu e nem mar.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978