Variações linguísticas
Nuances do português geram confusões que a própria razão desconhece
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emComo se diz no português contra os chatos, enruguei o cossaco só de imaginar a cara de pum engarrafado de Donald Trump. Por isso, tentarei evitá-lo até a próxima encarnação. Voltando às origens, nem sempre estamos a mais de um grito de distância das confusões do dia a dia, muito menos indisponíveis para aquelas situações desagradáveis ou incômodas. Tudo por culpa das variações da língua portuguesa, consequentemente de seus significados ou sentidos, os quais a própria razão desconhece. Por exemplo, o que um pretendente precisa fazer para explicar ao pai da namorada que, antes de pedir a mão da donzela, precisa ir ao banheiro? Nada além de rezar e pedir a Deus para que o azul do gás liberado não seja tão fedorento.
Em algumas localidades do Nordeste, é comum o sujeito explicar sua pressa ao interlocutor informando que está quase a pó de traque. No Norte do país, região em que a língua é tão afiada como a das sogras, o cabra só avisa que vai à casinha quando já está aos porrotes. Ainda no Norte, “amarrar o facão” quer dizer entrar na menopausa. Para não correr riscos, jamais pesquisei o sinônimo popular de brochura. Na ausência de conhecimentos técnicos acerca do trabalho de arqueólogos e paleontólogos, os nortistas se limitam a denominá-los de dinossauros. Nada mais inusitado, porém, do que, durante a salva de tiros no momento do sepultamento de um governador da região, ouvir do locutor oficial que o corpo do governante estava sendo recebido à bala.
A expressão pode ser curiosa e até inabitual. No entanto, é muito melhor do que os sulistas estudados, cuja maioria chama o ginecologista de espião da casa do…Enfim, no Brasil tudo é permitido. Hipocritamente, só não vale dançar homem com homem e nem mulher com mulher. O resto vale, inclusive confundir um cidadão chato, o popular bundão, com um Buda grande. Sobre a dança entre iguais, o único senão é que, caso não seja rabicó, a porca torce o rabo. Às vezes, faz coisa muito pior. Tudo isso faz parte do que os intelectuais chamam de idiossincrasias de um país continental. Prefiro dizer curiosidades.
O próprio Brasil é a principal delas. A origem do nome vem da árvore pau-brasil, que tem a cor avermelhada. Daí o significado de Brasil ser “vermelho como brasa”. Besteira desnecessária. Também não vale a pena lembrar que, em 1763, o Rio de Janeiro se tornou a capital de Portugal. Portanto, o Rio Maravilha foi a primeira e única capital europeia fora do território europeu. Incomuns e com uma infinidade de porquês, a língua portuguesa talvez merecesse algo a mais no ar do que somente os aviões de carreira. Confesso que nunca pensei em nada.
Aliás, ajo com o artista lusitano Almada Negreiros. Especialista em artes plásticas e em escrita, ele disse o que eu direi agora: “Quando eu nasci, as frases destinadas a salvar a humanidade já estavam todas escritas. Só faltava uma coisa: salvar a humanidade”. Não me peçam um disparate desses, pois ainda tenho os dois pés na literatura do absurdo, isto é, a escrita irracional, que é aquela em que o ilógico não se situa no homem, tampouco no mundo, mas na relação de confronto entre ambos. Se consigo ou não, só o leitor dirá.
É por isso que nunca me interessei em saber quantos portugueses são necessários para afundar um submarino russo ou norte-americano. De acordo com a lógica das metáforas lusas, bastam dois: um bate à porta e o outro abre. Mais simples somente a história do seu Manoel. Ao entrar em um cartório para registrar o nascimento de sua primogênita, ele torcedor fanático da Portuguesa paulista, não pensou duas vezes: Arquibancada da Lusa será o nome da filhota. Diante da negativa do tabelião, o portuga subiu nas tamancas e tentou argumentar lembrando de um patrício, também louco pelo futebol, particularmente pelo Santos de Pelé, que conseguiu dar um nome parecido para o filho. Qual? Geraldo Santos.
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*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras