Debutei no jornalismo faz algumas décadas. Ainda vivíamos tempos de escuridão em todos os rincões do país. As nuvens eram negras em Brasília, mas a trovoada e os relâmpagos surgiam com mais força no Rio, São Paulo e Minas Gerais. Saltei de amarelinha todos os obstáculos dos anos de chumbo, mas a derradeira paz somente foi alcançada em outubro de 1988, com a promulgação da atual Constituição. Pensei que a democracia estivesse definitivamente fincada na Terra Brasilis. Tanto que, de lá para cá, especializei-me na doutrina política, embora tenha passado longo e inesquecível período servindo ao Judiciário, poder em que também se respira política. Desde então, observo, escrevo e, às vezes, analiso o dia a dia e os bastidores dos poderes, de suas excelências, dos excelentes, dos meritíssimos, dos sem méritos e dos supostamente poderosos. Claro que não necessariamente nessa ordem.
Ao longo da profissão, já escrevi para veículos dirigidos por palacianos, comunistas, udenistas, barraqueiros e até ufanistas. Também integrei quadros de estatais (estaduais e federais) de comunicação jornalística oficial. Em algumas dessas ocasiões, obviamente nem sempre reportava o que via, mas o que exigiam os chefes de reportagem, os editores e, principalmente, os antigos tubarões da mídia. Era isso ou rua. Mesmo ruminando contra o denuncismo barato e com objetivos nada republicanos, sempre tentava redigir amenizando o tom raivoso que me impunham. Entretanto, nunca me permiti inventar fatos (os fakes de hoje) para agradar ou desagradar chefias, fontes ou personagens. Preferia tergiversar a manchar ou enlamear reputações. Mesmo o mais hediondo dos criminosos merecia respeito.
Melhor era a fartura de temas. Além de modorrento e quase personalizado, o jornalismo da atualidade é absolutamente monotemático. Fala-se exclusivamente da Presidência da República, da pandemia, da falta de vacina, do orçamento paralelo, do voto impresso, do fechamento do Congresso, da invasão do Supremo, de manifestações e da CPI da Covid. E todos esses assuntos envolvem uma única personagem: Jair Messias. Sejam fatos ou fakes, caem no colo antes mesmo do despertar definitivo. Eles não são frutos de minha imaginação. Acordo diariamente com a intenção de escrever sobre o império da Prússia, a queda do xá Mohammad Reza Pahlev ou a respeito da invasão de gafanhotos no Paraguai. Não consigo sequer abrir o laptop e já chegam as primeiras informações – normalmente desinformações – relativas ao poder central.
No início da noite dessa quarta-feira (12), por exemplo, enquanto esboçava esse pretenso artigo, li que, em conversa com colaboradores, o presidente Bolsonaro finalmente se rendera à possibilidade de ter Luiz Inácio como adversário no segundo turno da eleição de 2022. Com alguma humildade, teria dito, inclusive, que confia em seus eleitores, mas não tem mais tanta certeza da reeleição. Ótimo sinal. Apesar do tardio pessimismo, o chefe do Executivo diz temer que, vencedor, Lula desconstrua o que ele “construiu”. Também afirmou que o líder do PT vai instalar o marxismo educacional e aparelhar as Forças Armadas”. Deixemos o mérito para depois, mas não esqueçamos que a educação não existiu nessa administração e que a cooptação dos militares nunca esteve na ordem do dia dos quatro últimos governantes, principalmente porque todos eram considerados com viés de esquerda.
Antes do fim da noite, o mais nebuloso dos cenários começou a surgir. Durante o dia, o governo anunciou o lançamento de uma campanha nacional de prevenção e vacinação contra o vírus, incluindo a defesa do uso da máscara facial e o fim das aglomerações. À tarde, o ex-chefe da comunicação da Presidência da República, Fábio Wajngarten, protagonizou um dos piores dias para o presidente na CPI da Covid. Pior ainda foi a divulgação de uma pesquisa do Instituto Datafolha, informando que Luiz Inácio lidera o primeiro e o segundo turnos da corrida eleitoral. No segundo, marcaria 55%, contra 32% de Bolsonaro. Nada pode ser mais incômodo e devastador do que números. Eles mudam perfil de qualquer mortal. Até de presidentes. Números à parte, o reconhecimento é um auspicioso lampejo de moderação, que há muito deveria ser a palavra de ordem no Brasil de 428 mil mortos e 15,3 milhões de infectados pelo coronavírus.
Ainda não é. Prova disso foi a aglomeração deliberada protagonizada por Bolsonaro em Maceió, onde participou da entrega de unidades habitacionais. Recomeçou o falseamento. Tomara que até novembro de 2022 recuperemos ares de normalidade na política brasileira. Não sabemos ainda se as urnas eletrônicas terão ou não o voto impresso. O que temos certeza é de que, temporário ou definitivo, o caos será implantado caso não haja a auditagem do voto e o resultado seja adverso para o atual ocupante do Palácio do Planalto. Por enquanto, fiquemos somente com as acusações. Elas são válidas, desde que não sejam transformadas em casos de polícia. Preciso variar os escritos e voltar a dormir o sono dos justos e acordar sem sobressaltos de golpes. Tenho pavor de imaginar a necessidade de recorrer aos princípios psiquiátricos do dr. Jairinho.