“Sorria, você está sendo filmado.” Nunca uma frase soou tão assustadora, e tão real. Já estamos acostumados a termos nossos passos vigiados na rua, mas agora, a vigilância entrou em nossas casas. Ao invés de ligar a televisão para “dar uma espiadinha”, agora é ela quem nos espiona.
A preocupação (e o medo generalizado) surgiu depois que a marca Samsung lançou uma SmartTV com comando de voz, que permite que o usuário aposente a árdua tarefa de apertar botões no controle remoto e mude a programação no grito, assim como a Apple faz com a Siri.
É mais fácil? É. É mais divertido? É. O problema é que, lá nas letrinhas miúdas da política de privacidade, a Samsung alerta:
“Por favor, esteja ciente de que se suas palavras faladas incluírem informações pessoais ou confidenciais, essas informações estarão entre os dados capturados e transmitidos a terceiros através da utilização do reconhecimento de voz.”
Como assim aquelas discussões entre amigos calibradas com cerveja no sábado à noite serão passadas para terceiros? Quem vai querer meus dados, e para quê???
Para Marielle Kellerman, psicanalista e editora da International Psychoanlytical Studies Organization (IPSO), o mundo moderno pede que as definições de “privacidade” sejam atualizadas.
“O mundo virtual chega para borrar os limites entre o que é interno e o que é externo, o privado e o público. Hoje, predomina a ideia de que um pensamento é um post. Tudo o que se faz é publicado, e isso acaba modificando a nossa própria ideia de privacidade.”
O sistema de reconhecimento de voz não é novidade: toda vez que você liga para uma empresa e fala com um robozinho, você está usando o sistema. Ele reconhece palavras e expressões pré-programadas e as interpreta para dar ao usuário o que ele deseja.
O buraco é bem mais embaixo… – O problema é que, nas TVs da Samsung, o microfone capta não só o que você quer, mas também qualquer outra coisa dita em frente à TV, e isso pode ser um perigo, alerta Edison Fontes, consultor e gestor de Segurança da Informação e autor de livros como “Segurança da Informação: o usuário faz a diferença“.
“Rigorosamente falando, o fabricante do televisor pode tratar como desejar esta informação, inclusive repassar para terceiros. A possibilidade deste vazamento de informações existe. É muito importante que existam leis que definam o que as organizações podem ou não podem fazer com as informações pessoais mas, por enquanto, teremos que nos contentar com a seriedade das empresas fabricantes de equipamentos”.
Tudo que você fizer pode ser usado contra você – Não são só as televisões que captam nossa vida íntima e jogam para “sabe-se lá onde”. Já estamos tão acostumados com certas tecnologias que nem nos damos conta do quanto de informação pessoal estamos mandando.
Você já fez check-in no Foursquare? Já gravou uma rota em um GPS? Perguntou alguma coisa à Siri? Fez alguma pesquisa no Google sobre alguma coisa e depois viu 26875 anúncios sobre a pesquisa te perseguindo em tudo quanto é site? Pois é. Tudo o que você disser e fizer pode ser usado contra você.
“Qualquer aparelho que faça captação de informação e seja inteligente, isto é, tenha memória, processador e comunicação com a internet, pode acarretar o mesmo perigo. Quando falamos em rede social, é pior ainda. Contamos nossa vida nela, e o fornecedor fica com as informações. Se eu comento de viagem, passagens de avião, com certeza receberei propaganda destes produtos. Isto é bom ou é ruim? O quanto minha privacidade foi invadida? Minhas informações estão gravadas, e um funcionário mal intencionado ou um criminoso podem quebrar os controles de segurança e ter acesso. É um grande risco”, explica Edison.
Eles nos ouvem com que frequência? O tempo todo. Além do Google Chrome no computador, o próprio Facebook pode apresentar riscos. Assim como o Whatsapp, Telegram, Skype e o Messenger permitem gravar áudio e fazer chamadas de voz e vídeo direto do celular.
Eles, em tese, poderiam reter esses dados. Aliás, o presidente do Facebook Brasil foi até preso por conta disso, sem contar quando bloquearam o Whatsapp no Brasil, lembra?
Segundo o youtuber Matthias, o Facebook vai além. Uma função permite que o site registre qualquer áudio ambiente pelo microfone do celular, isso no momento em que o usuário está escrevendo um post. Ou seja, enquanto você escreve um textão, ao mesmo tempo que conversa com alguém ao lado, o Facebook registraria o texto e o áudio, mesmo sem você gravar nada. Tudo para melhorar seus algoritimos de publicidade.
Como lidar com tudo isso? – Para a psicanalista Dra. Kellerman, é preciso tempo para se adaptar às novas tecnologias.
“A primeira reação das pessoas é de medo: medo de se sentir invadido, vigiado, medo de terem suas informações roubadas, mas isso é normal. Em alguns casos, isso pode desencadear um afastamento dos meios eletrônicos. No entanto, o ser humano é adaptável. Do mesmo modo que já estamos programados a tomar certos cuidados para evitar a violência nas ruas, por exemplo, teremos o mesmo cuidado com os aparelhos eletrônicos. Assim que nos adaptarmos às novas tecnologias, poderemos escolher se a queremos ou não em nossas vidas”, diz a especialista.