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Nuno Ramos cria ‘reality show’ durante encenação no palco

Foto/Divulgação

Não é de se surpreender que o sucesso dos reality shows foi renovado quando a internet inventou novos jeitos de observar “gente comum” e interagir com elas. Aliás, a cada inovação, o desejo de voyeur ganha mais contornos tecnológicos, e ver sem ser visto continua sinônimo de poder e controle.

Neste domingo, 11, o artista plástico e escritor Nuno Ramos estreia A Gente Se Vê Por Aqui, uma performance que confina dois atores por 24 horas no palco ouvindo a grade da TV Globo. O trabalho encerra a programação da 5ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, iniciada no dia 1º, e talvez a mais coerente e dinâmica em relação às anteriores, que, ao lado da mostra principal, inaugurou um eixo com espetáculos brasileiros apresentados a curadores internacionais, além das já conhecidas atividades paralelas, como oficinas e debates realizados em mais de 25 espaços na cidade e com ações transmitidas ao vivo no site da mostra.

Em A Gente Se Vê Por Aqui, Ramos faz a conexão com a performance 111 Vigília Canto Leitura que, em 2016, reuniu personalidades como a atriz Bárbara Paz, o músico Paulo Miklos, o diretor Zé Celso, a apresentadora Marina Person e o crítico Jean-Claude Bernadet para ler os nomes de 111 assassinados no massacre do Carandiru, em protesto contra a anulação do julgamento que condenou os policiais militares na chacina de 1992. “Nela, as pessoas liam os nomes dos mortos, e fizemos aquilo por 24 horas, diante de câmeras que transmitiam ao vivo”, conta o artista sobre a audiência de 1 milhão de pessoas.

O novo trabalho teve primeiro experimento no ano passado, no Festival Arte Porto Alegre, com os atores Pingo Alabarce e Vika Schabbach (foto). No palco, a dupla recebeu um “kit sobrevivência” com banheiro químico, uma cozinha, mesa, cadeiras, sofá e colchão. Há também aparelhos de academia como um saco de pancada, bicicleta e halteres.

Em São Paulo, os atores-cobaias da vez são Danilo Grangheia e Luciana Paes. Por todo tempo da performance, eles estarão conectados por um fone que transmitirá a programação da emissora no momento. Assistida pelo público, caberá à dupla reinterpretar diálogos de novelas, noticiário, propagandas, programas matinais, até o Big Brother Brasil. Para Nuno, a força da mídia e seu alcance ganham novos pontos de vista quando são deslocados de seu lugar tradicional. “Diante de instituições tão precárias, como é no Brasil, ela acaba se configurando à frente. Isso tende a mudar quando discutimos e debatemos.” Ele explica que a situação tem a ver com o abismo entre a produção de entretenimento e a arte no País. “Aqui temos a indústria cultural, de massa, ou a repercussão especializada, acompanhada por uma pequena audiência. Não há o lugar do meio.”

Por outro lado, o artista conta que o desejo não é demonizar a televisão. “Não posso negar que há programas de qualidade. Na novela, por exemplo, já vimos o beijo entre um casal de senhoras e isso sempre engaja o debate progressista, contra o preconceito e homofobia”, conta ao se referir à cena do folhetim Babilônia estrelado por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg.

Ramos acrescenta que aos atores caberá a surpresa. Como a grade já é ao menos conhecida, o artista aconselha que não se deve representar muito. “É preciso entender que esse automatismo dá o ritmo, que essa naturalização precisa ser rompida. Não basta atuar. Eles vão ficar 24 horas ligados nisso, então, é preciso viver.” A experiência em Porto Alegre mostra que os horários também influenciam. “Para o público, é interessante assistir em momentos diferentes do dia. E perceber como eles relem a transmissão.”

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