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Nuvem de fumaça não esconde o sonho golpista

Apenas quem se legitima pelo voto popular pode estabelecer regras, normas e leis. Entretanto, jamais poderá determinar tipos de conduta, muito menos exigir de órgãos públicos sob sua tutela demandas contra adversários políticos. Também não é alvissareiro atacar, em nome do povo que governa, países dos quais somos parceiros e mais dependentes do que fornecedores. Nada disso é permitido, mas é só o que vem sendo feito desde a instalação do governo que aí está. De acordo com a revista Crusoé, semana passada, a pedido do presidente da República, a Abin espalhou agentes para recolher dados que comprometam oponentes na CPI da Covid. Por mais que se queira dar ares de legalidade à ação, convenhamos que não é. Imaginemos qual seria a reação caso fosse ele (o presidente) o objetivo.

Não devemos olvidar que, por muito menos, seus apoiadores ameaçam seguidamente invadir o Supremo Tribunal Federal e fechar o Congresso Nacional. Pressionado, disposto a elevar a tensão política e desestabilizar as instituições, volta e meia Bolsonaro polemiza com Deus e o Diabo, hoje representado pelos senadores da CPI. É a exacerbação do sonho golpista. Normalmente, o script tem poucas ou nenhuma alteração. São repetições de frases articuladas e produzidas por várias cabeças palacianas.

Nos últimos dias, a maioria tem por endereço a comissão que investiga a série de omissões no combate ao coronavírus. Também não fogem do copião um provável decreto contra as medidas de restrições e novas desfeitas descabidas ao governo chinês, acusado numerosas vezes de estar por trás do coronavírus. Para os que dispõem de um mínimo de inteligência, a China está à frente. Tanto que, não fossem os insumos que nos permite fabricar a CoronaVac, talvez estivéssemos hoje na casa do milhão de mortos.

Em vez de lamentarmos o prazer de criticar o governo popular do país asiático, adjetivado por nós pejorativamente de comunista, o mandatário brasileiro e seu ministro da Economia poderiam pedir a seus seguidores apoio para formalizar um definitivo rompimento com o presidente Xi Jinping. Ao requerer mais esse voto de confiança, Bolsonaro teria de esconder dos aliados que atualmente Jinping é apenas nosso maior comprador de grãos, carnes bovina e de frango, açúcar bruto, café, celulose, minérios de ferros e seus concentrados, além de óleos brutos de petróleo. Besteirinhas que, casos eles deixem de comprar, não alterariam em nada nossa pujante e cada vez mais sólida economia. Temos hoje 14,2 milhões de desempregos e cerca de 27 milhões de pessoas à beira da miséria. Dirão os sabichões do fanatismo que isso é pura fantasia daqueles contrários a um país igualitário como o nosso.

O presidente também não poderia revelar que, no meio das bugigangas que importamos dos chineses, está incluída[CC1] uma vacina salvadora, a mesma que, em novembro de 2020, Bolsonaro disse que causava mortes, invalidez e anomalias. Tudo porque o importador foi o governador de São Paulo, João Dória. A inclusão de Paulo Guedes não é à toa. De forma gratuita, mês passado o ministro reiterou que “o chinês inventou o vírus”. Disse ainda que a vacina asiática “é menos efetiva do que a americana, que conta com 100 anos de investimento em pesquisa”. Não sei o que houve, mas o imunizante americano não chegou por aqui. Então, usemos o chinês. Ponto final. Acho que ninguém teve oportunidade de dizer ao ministro que, em 521 anos de Brasil, ele é o primeiro titular da pasta a esculhambar um parceiro econômico. Ou seja, quem tem mesmo efetividade?

E não é um parceiro qualquer. É o maior representante dos Brics, agrupamento que tanto Bolsonaro quanto Guedes ainda não reconheceram a importância. Para quem já entendeu a necessidade de produção de cortinas de fumaça, os ataques à China e àqueles que conseguem dividir holofotes com as mazelas nacionais não cessarão. A regra é clara. Serão mais frequentes e proporcionais ao avanço da CPI da Covid e à movimentação de Luiz Inácio. De qualquer modo, aguardemos o próximo rompante. Contra quem será? Pouco importa. Importante é que a turma das análises política e econômica percam tempo comentando – de vez em sempre criticando – o que ele diz, e esqueçam o que não é feito ou o que se elucubra nos bastidores.

Nesse vai e vem, perdemos tempo, espaço e respeito. De queridinhos de boa parte do planeta, viramos escória do mundo. Estamos isolados, literalmente sem destino como Wyatt e Billy, personagens de Peter Fonda e Dennis Hopper no filme Easy Rider, de 1969. Entretanto, como se vivêssemos um oásis de bonança, nosso governante permanece como a tese do cantante Manhoso na letra da música Não quero saber: “Deixa isso prá lá, vem prá cá, venha ver…Agora vou te contar o que eu não quero saber…”. Somos muito mais do que um samba de uma nota só. “Não quero saber se o pé de alface tem chulé”, tampouco quem “afiou o Machado de Assis”. O que sei é que temos de fazer valer nossa força de povo contra hostilidades, afrontas, injúrias, insultos, provocações e ofensas. Por enquanto, a CPI da Covid nos representa.

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