Concordo com a jornalista Cristina Tardáguila que, em sua coluna ontem (10) no Uol, destacou o papel da pressão pública no caso Monark-Kim Kataguiri-Adrilles Jorge. “Nazismo se corta pela raiz”, como ela escreveu, e o repúdio geral nas redes sociais certamente teve peso na decisão da Jovem Pan e do podcast Flow de anunciar a demissão de apresentadores, como aponta (faço aqui a ressalva de que Monark é sócio da Flow, e portanto foi escondido, não demitido). “Podemos sim, vencer o ódio e a mentira”, disse Cristina, que também citou exemplos em que a opinião pública foi o fator preponderante, como as novas políticas do Twitter e do Spotify em relação à desinformação sobre a Covid. “São provas de que a pressão pública ainda existe e que funciona”, conclui a jornalista.
Sou menos otimista, porém, quanto ao significado político do episódio. Primeiro porque a veiculação de mensagens de extrema direita é mais comum do que a indignação nas redes com o caso Monark faz supor. Toleramos apologia a execuções (“bandido bom é bandido morto”), à tortura (viva Ustra), à injustiça a ponto de fazer troça dos “direitos humanos”, como se eles não se referissem a todos nós. Por isso elegemos e mantemos um presidente, apesar (ou por causa) de suas declarações violentas, misóginas e racistas. A ditadura brasileira foi implantada com apoio dos mesmos atores.
Se as manifestações nazistas foram condenadas até por bolsonaristas – a ponto de aproximar de forma inédita as bolhas da direita e da esquerda nas redes sociais – isso não significa que no fundo somos uma sociedade democrática. Quem acredita, por exemplo, que o deputado Eduardo Bolsonaro, contumaz frequentador de clubes de tiro nazistas, como revelou uma reportagem da Pública, estaria empenhado em condenar os que defendem essa ideologia? Quem acredita que é o amor pela democracia que motiva o procurador Augusto Aras, que sempre protegeu Bolsonaro, a processar Kataguiri e Monark?
Como ficou claro, em seguida, não foi o nazismo que os direitistas da rede repudiaram. A briga dos Bolsonaro e seus aliados é com o deputado Kim Kataguiri, o líder do MBL, aliado a Moro nessas eleições, que foi alvo de uma representação de Eduardo Bolsonaro no Comitê de Ética da Câmara. Os bolsonaristas pouparam Monark – que foi quem detonou a deprimente discussão no Flow – e o ex-BBB Adrilles Jorge, que encerrou sua fala na Jovem Pan, em que pretendia condenar o nazismo, com a saudação hitlerista, motivo pelo qual teria sido demitido.
Veio do Twitter do próprio Adrilles, aliás, a saída adotada por Jair Bolsonaro ao comentar o episódio 48 horas depois, praticamente repetindo o post: “Um partido organizado nazista deve ser proibido porque é uma organização política destinada a propagar morte e fim do indivíduo em nome de uma utopia perversa. Da mesma forma, um partido comunista deveria ser proibido pela mesma utopia perversa que matou mais gente que o nazismo”, escreveu o ex-comentarista da Jovem Pan.
No momento seguinte, a tag #Adrillesvolta alcançava o topo do Twitter e o deputado Eduardo Bolsonaro clamava pela aprovação de um PL de sua autoria criminalizando o nazismo e o comunismo. Notem: a proibição à apologia do nazismo é preceito constitucional. Obviamente o comunismo, assim como o liberalismo, não prega o genocídio e, portanto, não é crime. Projetos de lei como os de Eduardo Bolsonaro apenas legitimam a perseguição aos “inimigos”, o que parece ser a real intenção da extrema direita.
Se o crescimento do neonazismo entre nós preocupa, combatê-lo vai além de rechaçar suásticas. O racismo, a violência seletiva dos agentes de Estado, a misoginia, a tortura, a homofobia estão na base dessa construção. É papel da sociedade e da mídia chamá-los pelo nome e excluí-los da legitimidade democrática, sem apelar para falsas equivalências e falsas polêmicas. Só assim vamos varrer os extremistas de direita do poder.