Sobrou a bermuda
O assalto em Copacabana e a torcida do caipira para que o ladrãozinho se corrigisse
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emO dia acordou lindo em Copacabana, onde morava tia Carminha, a poucas quadras da praia. Tudo indicava que aquele começo de férias seria inesquecível. Foi.
Aos doze anos de idade, pulei ansioso da cama, coloquei bermuda, tênis e camiseta e desci a rua que levava ao mar, sem esperar pelo restante da família. Naquele tempo ainda se admitia uma criança andar sozinha pelo bairro mais famoso do Brasil.
Atravessei a avenida Atlântica com desenvoltura e logo senti a brisa típica desses privilegiados lugares banhados pelo mar. Ainda não passava das oito da manhã e poucas pessoas andavam pelo famoso calçadão de estilo curvilíneo inconfundível.
Sem revelar interesse pela paisagem, para não aparentar ser caipira do Paraná, dei uma boa corrida, como um carioca da gema, e retornei ao ponto de partida.
Tirei tênis e meia e alcancei a areia fina e branca de Copacabana, onde deixei minhas coisas para cair na água. Peguei jacarés, tomei uns caldos e senti o desejado sal que não se acha em piscina. Finalmente comemorei: estou em férias!
Do nada, interrompendo o prazeroso momento, percebo um grupo vindo em minha direção e deixando claro que não estava brincando na praia. Perto havia somente um rapaz, também turista e distraído numa leitura.
Em resumo, estava este minúsculo ser, por volta de um e sessenta, ali sozinho diante de cinco ou seis garotos maiores, alguns com canivete à mostra. O mais velho devia ter uns dezesseis anos e foi logo dizendo:
– Ei, pirralho, passa o tênis.
Coração na boca, não questionei.
– A meia e a camisa também, mané.
Riram sarcasticamente. Tive a sorte de não pedirem a bermuda, o que me permitiu voltar para o apartamento com um mínimo de dignidade.
Antes que partissem, arrisquei – em sentido literal – dizer que era triste o que estava acontecendo: crianças roubando uma criança.
Eles viraram as costas e partiram. Com exceção do menor deles, com quem estava o tênis roubado e que parecia não concordar com a ação. Ele me olhou envergonhado e devolveu o produto do assalto, quase pedindo desculpas.
– Pode ficar com o tênis – eu disse.
Mesmo constrangido, o menino o pegou de volta, dessa vez sem culpa. De alguma forma também era vítima. Deixei apenas um pedido:
– Não faça mais isso.
Ele assentiu com a cabeça.
Já se passaram quarenta anos e ainda torço para que o pequeno carioca tenha ouvido o coleguinha caipira do Paraná…