No Rio, no Recife, na guerrilha...
O cálculo renal do Daniel Marchi, os tubarões e a frase sobre a bicicleta

Recentemente, durante um bate-papo descontraído com o meu grande amigo Daniel Marchi, renomado poeta e escritor, que estava passando por mais um problema de cálculo renal, ele parecia mais preocupado com as coisas que precisava fazer do que com o próprio estado de saúde.
— Edu, doer dói, mas como não é algo que mata, fico tranquilo.
Fico espantado e ao mesmo tempo surpreso quando me deparo com alguém tão prático em relação ao sofrimento físico, que é algo que sempre, sempre mesmo, me atormentou. É que não nego que sou um frouxo, verdadeira manteiga derretida quando o assunto é dor. Minha esposa, a maravilhosa Dona Irene, sabe muito bem disso.
— Ah, Edu, você é tão sensível!
Além de ter o limiar de sofrimento físico extremamente aguçado, alguns medos são tão próprios no meu ser. No entanto, não são temores tão comuns. Por favor, não me interprete como herói, mas não tenho medo de escuro, de me embrenhar por uma mata no maior breu, de andar na rua de madrugada, de viajar sozinho para um local desconhecido ou de parar na estrada de madrugada para fazer xixi.
Talvez você esteja pensando mesmo que sou um cara destemido. Não sou! Já tive a minha cota de montanhas-russas (fui em três) aos 12 anos, não tenho o menor interesse em pular de paraquedas ou de bungee jumping, muito menos de saltar de asa-delta. Também não me convide para entrar na praia de Boa Viagem em Recife, mesmo naquelas gaiolas de proteção. Isso me parece loucura. Recentemente, visitei a capital de Pernambuco e percebi que muita gente parece que não leu as inúmeras placas na orla com avisos de área sujeita a ataques de tubarão. E, caso essas pessoas tenham lido, a situação me parece ainda mais grave.
Mas voltemos ao Daniel, que precisava expelir o cálculo renal. No meu caso, já teria implorado de joelhos para que o médico ou até mesmo o atendente da farmácia me operasse. Todavia, sereno que nem ele só, o meu amigo, confortavelmente acomodado no sofá de sua residência no Méier, com aquele sorriso que transborda simpatia, enquanto ouvia Ray Conniff, ainda teve tempo de filosofar.
— Edu, se a bicicleta parar, ela cai.
— Que frase legal, Dan!
— Também acho.
— É de quem?
— Bem, Edu, ela é atribuída ao Che Guevara, mas sem fontes seguras. Seja como for, é uma frase tão boa, que seria um disparate deixar passar.
Por sorte, o meu amigo, de modo digno e elegante, conseguiu expelir o danado do cálculo, de incríveis 7 mm, e passa bem.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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