Era um dia abafado em Pedra Larga, e a delegacia estava em alvoroço. O delegado Jorge, famoso por resolver casos cabeludos – ou, pelo menos, por tentar –, estava no meio de uma investigação sobre um possível grupo terrorista. Explosões estranhas vinham acontecendo na cidade, e a última coisa que ele precisava era mais confusão. Foi aí que entrou em cena João das Tintas, um conhecido sujeito por ser o pintor mais atrapalhado e inocente da cidade, do tipo que sempre estava no lugar errado na hora errada.
João tinha sido detido porque encontraram mensagens trocadas, via celular, com um suspeito das explosões de alcunha “Patrão”. Os policiais, que estavam no meio do caso das explosões, leram o seguinte no celular de João:
• “Patrão, a pistola travou de novo, tá difícil terminar o serviço.”
• “Se eu não consertar essa pistola logo, vai sobrar uma explosão.”
• “Tentei ir no local combinado, mas o motorista do Uber viu a pistola e fugiu.”
Pronto! Para a polícia, estava claro como água: João era um terrorista sofisticado que se precisasse não pensaria duas vezes para usar uma bomba. O delegado Jorge, com sua cara de “desvendei o mistério”, esfregou as mãos, certo de que tinha prendido o braço direito do cérebro da organização criminosa por trás das explosões, o tal de “PATRÃO”. No interrogatório, João estava sentado com a expressão de quem nem sabia direito por que estava ali. Vestindo um macacão cheio de tinta, ele encarava o delegado.
“Vamos lá, João! Solta a verbo! Quem te botou nessa? O Patrão? Que joguinho é esse? – esbravejou Jorge, socando a mesa. – E não adianta querer me enrolar, fizemos uma “fishing expedition” no celular do tal Patrão e a gente sabe muito bem o que aconteceu!”
João coçou a cabeça, confuso:
– Explodir? Patrão? Fixi não sei o que ” Não, senhor! Eu só tava pintando a casa do seu Sebastião, o meu patrão.
O delegado suspirou, impaciente:
– E essa história de “pistola travada”? Hein? Fala logo antes que complique ainda mais pra você!
João fez uma cara de quem estava a resolver um enigma e explicou:
– Ah, uma pistola de tinta! Aquela desgraçada vive travando. Já falei pro Patrão que se não se consertar, vai acabar tendo uma explosão do compressor! Aí tinta voa pra tudo quanto está lado, e eu que fico com a culpa!
A sala ficou em silêncio. Jorge estreitou os olhos.
– Explosão? Tinta? João, você está falando em código, não tá?
João arregalou os olhos, assustado:
– Código? UE? Que código, delegado? Eu mal sei usar o telefone, quanto mais essas coisas aí de código. Eu só sei que, se o compressor de ar não alivia a pressão, vai ser um “BOOM” de tinta no meu rosto de novo. Não foi isso que aconteceu na semana passada, Raimundinho?
Raimundinho, o estagiário desastrado, que trouxe João para a delegacia, balançou a cabeça afirmativamente, mas era óbvio que ele também não entendeu nada.
O delegado continuou, desconfiado:
– E o Uber? Como explica isso, João? “O motorista fugiu quando viu a pistola”? Que história é essa?
João deu um suspiro dramático.
– Pois é, delegado. Acho que o homem me viu todo sujo carregando uma pistola vazando tinta, e achou que eu ia fazer uma lambança no carro dele. Eu ainda tentei explicar que a tinta já estava seca e que não sujaria o carro, mas ele nem me deixou entrar. Foi uma humilhação! E eu tava indo pintar o muro do Seu Zé. Que, aliás, tá cheio de grafite. Isso sim é que parece terrorismo, né, não?
Foi aí que Raimundinho, o estagiário, entrou com a “arma do crime”: uma pistola de tinta tão velha e remendada que parecia mais um brinquedo de feira. Para completar o visual, Raimundinho segurou uma balde de tinta azul que pingou pelo chão da delegacia.
O delegado olhou para a pistola, depois para o balde, depois para João – que continuava com aquela expressão de “só quero ir embora pintar minhas paredes”. Ele suspirou, se jogou na cadeira e começou a rir.
– João, você é um perigo! Um perigo pra quem tenta entender suas histórias! – disse o delegado, entre risadas. – Vou te liberar, mas, por favor, nunca mais diga “explosão” e “pistola” na mesma frase, entendeu?
João, confuso, falou e respondeu:
– Certo, delegado. Mas, se a pistola travar de novo e o compressor explodir, eu aviso o senhor?
E foi assim que João das Tintas saiu da delegacia, mais atrapalhado do que entrou. Ó delegado Jorge? Ele levou mais um dia para perceber que estava investigando um pintor de paredes enquanto o verdadeiro caso das explosões… bem, isso é uma história para outro dia.