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‘O Cavaleiro da Rosa’ discute desejo, amor e identidade de gênero

Foto/Divulgação

Uma jovem que usa de seu poder de sedução e do erotismo para exigir a cabeça decepada do homem que rejeitou seus avanços amorosos; ou ainda uma mulher que, em desespero, trama para matar a própria mãe e o homem com quem ela traiu seu pai – em ambos os casos, com uma música vertiginosa, à altura das tragédias narradas.

Dadas as escolhas de personagens feitas anteriormente por Richard Strauss, não é difícil entender os motivos pelos quais sua ópera seguinte, O Cavaleiro da Rosa, sobre um inocente triângulo amoroso, soou como um retrocesso ao subir ao palco pela primeira vez, em 1911. Bobagem, afirma o diretor Pablo Maritano. “Ela é mais moderna do que qualquer coisa que Strauss já havia escrito. E as questões que coloca sobre sexualidade e convenções sociais continuam assustadoramente atuais.”

É a partir desse diálogo entre o mundo imediatamente anterior à Primeira Guerra Mundial e nosso tempo e seus conflitos que o encenador argentino imagina sua nova montagem da ópera, que sobe na sexta, dia 15, ao palco do Teatro Municipal de São Paulo, com regência do maestro Roberto Minczuk e participação, no elenco, das sopranos Carla Filipcic Holm e Elena Gorshunova, da mezzo-soprano Luisa Francesconi e do baixo Dirk Aleschus. “Há de um lado uma trama ligeira, no melhor estilo das comédias de Oscar Wilde, por exemplo, mas por baixo dessa aparente simplicidade, texto e música nos sugerem alguns temas realmente complexos. De alguma forma, a história é um reflexo daquilo que nos torna humanos.”

Ao iniciar os trabalhos na ópera, depois da violência das histórias narradas em Salomé e Elektra, Strauss falava do desejo de compor uma “ópera mozartiana”. E o enredo narrado parece mesmo evocar o universo das comédias de Mozart, como As Bodas de Fígaro, baseada em Jean-Auguste Beaumarchais. A experiente marechala Marie Therese se apaixona pelo jovem Octavian; ao mesmo tempo, seu primo, o barão Ochs, pretende se casar com a jovem Sophie para sair da situação de penúria financeira em que se encontrava. Entre os dois adolescentes, no entanto, acaba surgindo uma paixão ardente. E o desfecho para a história chegará apenas depois de muitas idas e vindas, entre elas o momento, logo no início da ópera, em que o primo surpreende a prima no quarto com Octavian, que rapidamente veste roupas femininas para se disfarçar e, sem querer, acaba despertando o interesse amoroso de Ochs.

“Pelo que exatamente estamos nos apaixonando quando nos apaixonamos por alguém? Uma resposta que Strauss dá a essa pergunta está no interessante modo como os três personagens, a Marechala, Ochs e Sophie, se apaixonam pelo mesmo homem, mas como essa paixão tem significados muito diferentes”, diz Maritano. “Para a Marechala, ele é, no início, apenas mais um amante, antes de ganhar outro tipo de sentido dentro de sua vida Para Sophie, por outro lado, ele simboliza a própria ideia de um relacionamento: Octavian é a sua primeira paixão, é o momento de descoberta não do outro, mas do próprio sentimento, que pode ser um processo pessoal profundamente intenso. Ochs, por sua vez, ao olhar Octavian e confundi-lo com uma camareira da prima, no momento em que está disfarçado, não está falando de amor, mas de atração, de um desejo de violação”, explica o diretor.

Gênero. Para a soprano argentina Carla Filipcic Holm, que interpreta a Marechala, todas as personagens possuem conflitos internos intensos, retratados pela música de Strauss de maneira genial. “Octavian, por exemplo, é só ímpeto, e por conta disso sua música é direta, clara. Já a Marechala, uma mulher mais experiente, exige um outro tipo de acompanhamento. Em diversas passagens, ela pensa uma coisa, mas diz outra, e a música sugere isso ao ouvinte de modo fascinante”, explica.

“No fundo, e nisso a Marechala é um bom exemplo, as questões concretas da história são apenas representações de questões mais profundas a respeito do próprio significado da vida. O drama da Marechala é se dar conta do passar do tempo, o que a leva a um retorno a si mesmo, ao seu passado e a um balanço que pode ser muito dolorido. Lidar com os sonhos de juventude é ser confrontado com aquilo que foi e com aquilo que jamais será. Isso nos leva a uma reflexão a respeito da dimensão do tempo”, diz a soprano. “A discussão sobre o tempo é quase metafísica, ainda mais quando pensada à luz das contradições do amor”, completa Maritano, que como diretor é mais conhecido pelos trabalhos que desenvolve com a ópera barroca e com títulos contemporâneos, em palcos como o Teatro Colón.

Mas, em meio à discussão sobre o passar do tempo, da descoberta do amor – e, consequentemente, de si mesmo -, O Cavaleiro da Rosa toca, para Maritano, em uma questão profundamente atual, associada à ideia de gênero. “Há um contraste muito grande entre a maneira como agem e pensam os personagens masculinos e as personagens femininas. Mas, na verdade, Strauss e seu libretista, Hugo von Hoffmansthal, nos levam muito além disso”, explica. “A ópera nos pergunta diretamente o que é ser um homem e o que é ser uma mulher, questionamento ainda hoje, e talvez ainda mais, pertinente.

Sobretudo porque seguimos tendo dificuldade para entender que existem de fato cargas muito fortes que a sociedade coloca sobre quem nasce homem e quem nasce mulher. Quando a Marechala diz a Octavian que ele não precisa ser como todos os homens, é disso que está falando também. Assim como a própria presença de Octavian, papel masculino que é interpretado por uma mulher, remete imediatamente à questão da identidade de gênero”, diz ainda o diretor.

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