Pós-Frota
O Congresso manda. E Bethlem prestou continência
Publicado
emJosé Escarlate
E nós, mais uma vez, isolados e só tínhamos como armas de defesa telefones, caneta e uma máquina de escrever. Éramos um monte de repórteres tensos. Temendo o desfecho da coisa. Segundo soubemos no nosso isolamento, Sylvio Frota voltou para o Forte Apache e, lá, em conversa com generais amigos seus, recebeu sugestões para resistir, mas sentiu que já era tarde.
A maior parte dos generais quatro estrelas que compunham o Alto Comando já estava com Geisel, hipotecando-lhe solidariedade. Por outro lado, sabíamos que o general França Domingues, casado com uma sobrinha de Geisel, filha do general Orlando Geisel, havia assumido na marra o Comando Militar do Planalto, enquanto que o titular permanecia dando apoio a Frota, no Forte Apache.
Para nós, as notícias vinham em conta gotas pelos telefones que tínhamos. Um deles, o da Agência Nacional, um magneto ponto a ponto, ainda com manivela. Por ele falava direto com Brasília e o Rio, sede da Agência. No QG do Exército, estava o Palmeira, que cobria área militar para a Agência e que conhecia meio Exército. No outro telefone, o excelente repórter Roberto Contreiras, do Globo, que conhecia a outra metade. Nosso trabalho no palácio era de paciência, fazendo a triagem do que chegava. Procurávamos manter a trincheira, de olho vivo a uma possível invasão do palácio por tanques e soldados.
Anos mais tarde, em seu livro de memórias “Tudo a declarar”, o ex-ministro Armando Falcão comentou que o Palácio do Planalto não tem segurança alguma. Não passa de uma descomunal gaiola de vidro. Uma cristaleira. E assinalava: “Meia dúzia de granadas certeiras arrasam essa imensa vitrina em menos de cinco minutos”. E, amargo como sempre, detonava: “Esse edifício só serve mesmo para propaganda em cartão postal”.
Passava das duas da tarde quando chegou informação de que o presidente Ernesto Geisel havia se definido pelo nome do general Fernando Belfort Bethlem, comandante do Terceiro Exército, sediado no sul do país, depois de ouvidos os membros do Alto Comando, fiéis a ele.
O general Bethlem, por conta do feriado, não sabia de nada. Estava flanando pelas praias do Rio, à paisana, onde morava sua filha, a atriz global Maria Zilda. Convocado pelo presidente, Bethlen embarcou assim mesmo para Brasília, mandando buscar sua farda em Porto Alegre.
A coisa só acalmou quando, no início da noite, Frota passou o cargo ao general Bethlem, já devidamente fardado. Eram 18h30 quando ocorreu a mais rápida transmissão de cargo de um ministro de Estado, na história do Exército Brasileiro. A cerimônia foi simples, curta, grossa e bastante tensa.
“Entrego o cargo de ministro do Exército ao Excelentíssimo Senhor General Fernando Belfort Bethlem – disse Frota.
“Assumo o cargo de ministro do Exército” – respondeu Bethlem.
A cerimônia, que pela tradição era festiva, estava encerrada. Não houve palmas, nem choro e nem velas.
Sílvio Frota foi para sua casa, na Península dos Ministros, onde havia um caminhão da Fink retirando a mudança. No início da noite ele seguia com a esposa para sua casa do Grajaú, no Rio.Tempos depois, falando sobre a queda de Sílvio Frota, Humberto Barreto foi mais incisivo: “A linha-dura do Exército entendia que o presidente era um preposto dela. Na demissão do Frota, se as coisa não tivessem sido feitas com inteligência, o presidente teria sido deposto”-, afirmou.
Na posse do general Bethlem como ministro do Exército, no Palácio do Planalto, ocorreu fato inusitado. A cerimônia foi sem pompas. Rápida e discreta. Poucos convidados, entre eles os presidentes da Câmara Federal, Marco Antônio Maciel, e do Senado, Petrônio Portela. Após a assinatura do termo de posse, o Cerimonial organizou a fila de cumprimentos.
Petrônio e Maciel à direita de Geisel. Ao final dos cumprimentos, os dois parlamentares fizeram menção de entrar na fila. Com um gesto discreto, o presidente disse a ambos: “Fiquem aí”. Geisel então, dirigindo-se ao novo ministro, lhe diz: “Agora, apresente continência a Poder Legislativo”. Bethlen, cruzou à frente de Geisel e prestou continência aos dois parlamentares, proferindo as palavras usuais no caso.
Pouca gente entendeu, mas o presidente estava, naquele momento, fazendo o Exército prestar obediência ao Congresso Nacional. Nesse momento, Ernesto Geisel isolava o grupo de militares contrário ao processo de abertura política.