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Gata de foles

O dia em que highlander, a felina imortal, deu sinais de que iria embora

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Texto e Imagem

Gato é que nem saudade: mata a gente, morena. Quando vai pro céu dos felinos.

Minha Pimenta, a veterana, gatinha de mais de 22 anos, adoeceu de um dia para outro. Parou de comer, de passear sobre o teclado do meu computador, de me morder para chamar minha atenção (contrariando Roberto Carlos, ela não pode ficar nua para isso, não usa roupas e, em contrapartida, é peluda pra dedéu). Ficava na cadeira ao meu lado, miando bem fraquinho.

“Coração”, pensei. “A highlander, a felina imortal, finalmente vai embora”. Se o coração dela estava parando, o meu estava partido, amava de verdade aquela gata velha e rabugenta.

Para sorte da Pimenta, uma amiga que entende de gatos passou por aqui, ascultou a velhinha e me disse que não parecia coração pifando e sim líquido no pulmão. Resultado, em vez de um funeral, a idosa recebeu uma estadia no hospital (uma rima e, felizmente, uma solução). Saiu bem caro, mas o importante é que a minha ferinha se recuperou, voltou a comer e, aparentemente, tem lenha para mais alguns anos.
Quando recebi essa boa notícia, convoquei a gataiada e falei:

– Gente, a Pimenta vai voltar. Ela é higlander, imortal. Vamos fazer uma festa pra ela?

– Vamos! – miaram todos. – Uma festa com gata de foles, o instrumento dos highlanders, habitantes das Terras Altas da Escócia.

Meu queixo caiu até o umbigo. Como foi que Prince, Sid, Pantera e Flechinha, analfabetos de pai e mãe, ouviram falar em highlander, em Terras Altas, na Escócia? E em gaita de foles (que eles pronunciavam errado, mas dava pra entender)? Perguntei a eles, e a resposta foi:

– A deusa felina, Bastet, sempre nos leva em sonho até as Terras Altas da Escócia – explicou Prince. – É o país dos gatos, nas Highlands eles falam gatélico…

– Gaélico – corrigi. Fui solenemente ignorado.

– …gatélico e tocam gata de foles. É claro que tem uma gata, ou um gato, dentro daquela bola que eles apertam, só um de nós miaria tão lindo!

Não ousei explicar que o instrumento era chamado de gaita de foles. Pantera acrescentou:

– Bastet explicou que os sons maravilhosos são iguaizinhos ao de uma briga de gatos, quando disputam uma gatinha no telhado, pra namorar – e olhou-me acusadoramente. – O que nós não podemos fazer, porque os humanos malvados acabaram com nosso parquinho, nossa inocente diversão…

Achei prudente mudar de assunto.

– Vocês vão às Terras Altas em alguma ocasião especial?

– Quando há festivais de gatas de foles, é claro – responderam os quatro.

– Já sei! Vamos receber vovó Pimenta com um concerto highlander! – sugeriu Flechinha, a mais nova da casa.

E foi assim que a fera sênior foi recepcionada, ao entrar em casa: com um pote bem cheio de sua ração úmida predileta e com um barulho ensurdecedor, parecia um confronto entre gaiteiros das Highlands para ver qual era o melhor (sic). Ela pulou no meu colo, assustadíssima; seu coração pulsava forte, parecia que ia pifar de vez. Mas não, pouco a pouco as batidas se acalmaram e ela miou de contentamento.

– Que serenata mais linda, meus netinhos! Por um momento pensei que estava na Escócia, nas Terras Altas, ouvindo os escravos tocadores de gatas de foles!

Quase não acreditei quando vi a highlander, que jamais gostou de felinos, descer do meu colo e esfregar seu corpinho magro no dos companheiros rabudos, em agradecimento. Por fim, ela dirigiu-se a mim:

– E também agradeço ao escravo pela comidinha gostosa. Para um humano, até que ele é legal…

E assim estão as coisas aqui em casa. No mínimo uma vez por semana, os cinco exigem que eu selecione música de gaita de foles no Spotfy ou no Youtube e miam juntos. É horrível, ensurdecedor, o síndico já me ameaçou de expulsão do edifício, mas fazer o quê? Parafraseando o general Pazuello, o quixotesco ministro da triste figura, uns, os gatos, mandam, o outro, o humano, obedece.

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