Então é Natal.
Nas proximidades de sua data, um corre-corre. Um pega-pega. Um compra-compra.
Depois, um silêncio, nas quentes madrugadas brasileiras, onde a neve não cai e o sol castiga. Quem sabe vai chover. Chuva de verão.
O ateu abraça o católico, que celebra e abraça o espírita, que aperta as mãos do evangélico, que saúda o islamita, que não sabia o que estava acontecendo.
Em algum lugar, no Sul, o frio permeia. No Nordeste, a gente foguenta comemora e há cuscuz na ceia. No Sudeste, o barulho dos carros e o céu cinza recheiam a ambientação distópica da desigualdade brasileira.
O sobrinho tímido cumprimenta a tia chata. A mãe conversa com o irmão, que há muito não vê. O pai bebe com a filha mais velha, que completou seus dezoito anos anteontem. Tudo em perfeita harmonia, exceto as máscaras e a pandemia, e a saudade dos que já foram.
A comida está sobre a mesa e as pessoas tiram suas selfies, arrumadas, emperequetadas, todas preparadas para aparecerem nas redes e participarem do festival de fotos.
Nas calçadas cariocas, um menino corre pela rua. Ele não tem lar. Seu lar são seus amigos. Mas hoje ele está sozinho. Ele vê um velho caminhar, apoiado por uma bengala. Pisca. Agora vê uma senhora, com um vestido longo e um sorriso gentil. Pisca. Vê um menino menor que ele. Pisca. Agora está na sua frente um cachorro, que o lambe e o faz companhia. Pisca. Um homem de cabelos longos, nariz pontiagudo, olhar forte, porém gentil, o cumprimenta. Suas mãos estão feridas.
O garoto sente uma paz que nunca havia sentido. Ele adormece sem perceber no colo daquela presença consoladora.
Brindam a festa, a vida, o amor e desejam que o Mundo melhore logo. O garoto permanece deitado, acalentado por uma paz divina.
Uma paz que não era só sua.
Uma paz.