Notibras

O homem da alma pura que leva a vida sem destino

Descia a rua. Braços abertos para abraçar o mundo. Afastava transeuntes com seu jeito espetaculoso e inebriado. Figura única entre a multidão passiva. Destoava de todos, de tudo.

Aparência imunda.

Morador de rua descobriu a liberdade, assumindo ser malcriado.

Homem sem trabalho, morada, patrimônio; todavia, homem.

Dono do mundo sem teto. Dono de si. Sem carga nos ombros. Simplesmente homem.

Aspecto de caverna ao manter cabelos sujos e longos. Barba por fazer, unhas encardidas de catar no lixo o que comer. Sem respeito alheio. Porém, alheio a essa gente que não sabe o que é respeito.

Senta onde quer. Pede sem vergonha de não ter. É escorraçado… Acostumado, entende que ser diferente é pecado.

Contudo, sua alma é pura. Sua filosofia – teológica. É seu Deus. É seu destino. É sua vida. É sua, a caminhada.

Continua a descer a rua, assustando veículos ao atravessar as faixas, desligado do vermelho. Proibir é piada para quem não segue regras. Liberdade consagrada, porquanto não paga nada e não deve.

Quem é?

Corajoso, insinua. Finge agressão e força. Esconde sob a vestimenta a forma esquelética. É artista sem saber Stanilavski. Representa a verdadeira arte humana da sobrevivência fora das normas.

Alguém sem endereço, sem importância social; a viver na sombra do real. Mas é um homem. Carne e osso. Com desejos e esperança. É real na sua existência, na luta inglória ou gloriosa.

Tem nome sem certidão, idade sem tempo contado, sexo pouco praticado. Tem alegria de viver. Um libertário!

Feliz de não ter coleira, não ser domado. Dormir sob as estrelas, protegido da chuva pela marquise. Tem tudo. Não tem nada.

Ao chegar ao fim da rua, uiva como lobo em lua cheia. Conquistou seu caminho, atravessou a cidade. Sua vida será sempre uma reprise.

Quem é?

Ninguém pergunta o nome…

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“Quem é?” foi a 3º colocada no Concurso (Crônica) da Academia Madureirense de Letras.

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