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“O incrível caso do homem que comia sem usar o iPhone”

1.
O homem era viciado em mensagens. Ler e digitar.

O amigo inseparável sempre fora o seu iPhone 11 Pro Max 256Gb. Com dois polegares tão ágeis e rápidos ao tocarem a tela de cristal líquido, somente um processador de última geração poderia suportá-lo. Na noite anterior, ao se deitar para o descanso, pegou no sono em meio ao ritual de digitação.

Já nas primeiras horas do dia – ainda de olhos fechados -, permaneceu por alguns minutos na cama repetindo o rápido movimento com os dedos. E assim seguiu ao fazer a barba com uma das mãos enquanto digitava com a
outra. No café da manhã, dirigindo o carro, no trabalho matinal. Hora do almoço.

2.
Nome: apenas JR.

Todos o tratavam assim: jota erre e ponto.

O homem primava pelo distanciamento e a impessoalidade. Não era Junior. JR.

Desta maneira, ele entrou na praça de alimentação, no 20º andar de uma das duas Torres Blue Power, no centro financeiro da cidade.

Estranhamento geral; não pela entrada impositiva, mas pelo fato de trazer as duas mãos enfiadas nos bolsos do impecável paletó do terno Slim Microfibra, corte italiano, risca de giz.

Na praça de alimentação -às 12h e nenhum minuto a mais-, os executivos top de mídia e “jovens minds” candidatos a CEOs precoces, ali se acomodavam, em mesas individuais, para colocarem em dia as mensagens virtuais em seus smartfones. De quebra, o almoço.

Todos, absolutamente todos, pararam petrificados ao verem JR., com as mãos nos bolsos, dirigir-se à mesa ao lado da varanda lateral do 20º andar.

3.
Pierre, o garçom francês, serviu o prato.

“Ceviche de Lagostim”, importado do Trader Joe’s ou do Costco, New York City. Todos os dias, o mesmo ritual. Não agora. “O que deu nele?”…”Será que ele não vai ler mensagens e digitar desmandos como de costume?”… “O que está acontecendo?”.

Perguntas diversas, intrigantes e com as mesmas dúvidas, saltavam das cabeças do beutiful people ali presente. Sem desviar os olhos do lagostim, o homem tirou as duas mãos dos bolsos do paletó.

Pousou-as sobre a pequena mesa e digitou com os dois polegares o teclado de um celular imaginário.

Súbito, um macaco chipanzé surgiu na requintada cadeira de designe britânico ao seu lado.

4.
– “Olá JR.. Tudo sob controle?”, disse o pequeno símio.

– “Sim, mas o que você está fazendo aqui?”, pensou o homem.

– “Ora, após décadas desde a tua infância, você pensou outra vez em mim; estou aqui! Vamos lá?”, explicou o macaco.

Incrédulo, JR. digitou o teclado imaginário novamente e, na cadeira frontal, surgiu um menino de calças curtas.

– “Tá JR., faz logo a coisa que eu quero ‘me mandar’…a turma tá me esperando pra soltar pipa, cara!”, impôs o menino com sardas e de cabelos espetados.

– “Sei, me lembro de você…incrível…eu não tinha mais que sete anos!”, imaginou em silêncio.

Naquele dia, o homem dividiu a sua sofisticada refeição com os dois amigos do passado e, pela primeira vez na vida, não leu nenhuma mensagem nem digitou impropérios em seu iPhone 11 Pro Max 256Gb.

O silêncio na praça de alimentação da Blues Tower tornou-se insuportável. E assim permaneceu.

5.
JR. despediu-se dos dois amigos visitantes.

Levantou-se decidido e parou em frente à sacada lateral do 20º andar da Tower. Digitou uma última mensagem no celular imaginário preso nas mãos entre os dois polegares. Respirou fundo e saltou.

Décimos de segundos após, ao passar pelo 8º Andar, ainda teve tempo de racionalmente buscar certa calma e controle:

“… até aqui tudo bem, JR.!”

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